Título: Em dólares, o País não tem crise
Autor: Alcides Amaral
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/09/2005, Espaço Aberto, p. A2

Caso pudéssemos dividir o Brasil em dois, aquele que vive em função do dólar - ou moeda estrangeira, em geral - e aquele que é cursado apenas em moeda local, o real, teríamos certamente duas realidades distintas. Graças ao cenário internacional favorável e à competitividade do setor privado brasileiro, as exportações não param de crescer e deverão superar os US$ 110 bilhões em 2005, gerando superávit histórico de mais de US$ 40 bilhões, apesar da valorização excessiva da nossa moeda. O próprio secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, cotadíssimo tanto para a presidência do Banco Central como para o Ministério da Fazenda em caso de algum desligamento, foi bastante claro em entrevista recente concedida à Folha, ao dizer que 'temos visto um crescimento acentuado das nossas exportações, tanto em volume quanto em valor, apesar do dólar'.

Se o governo ajudasse um pouco e fizesse como, por exemplo, a Argentina, que mantém sua moeda competitiva sempre ao redor de 2,90 pesos por dólar, nosso desempenho seria, com certeza, ainda melhor. Em vez de o nosso comércio exterior representar cerca de 25% do PIB, já poderíamos estar na casa dos 30%, meta que esperamos alcançar nos próximos anos. Como conseqüência desse espetacular desempenho das nossas exportações, alcançamos superávit externo recorde de cerca de US$ 2,6 bilhões em julho, o que é bastante significativo quando sabemos que no passado recente os déficits eram a tônica, e em valores bem superiores. O investimento estrangeiro também vem reagindo bem a essa nossa 'virada externa', tendo alcançado mais de US$ 2 bilhões em julho. Com tal aporte de recursos, o acumulado deste ano já é superior a US$ 10 bilhões, crescimento acima de 88% em relação ao mesmo período do ano passado. A dívida externa, que era bandeira política do PT quando oposição, passou ao esquecimento. Enquanto no ano 2000 tínhamos dívida externa líquida de US$ 183,9 bilhões, devemos fechar o ano de 2005 com dívida externa líquida de cerca de US$ 127 bilhões, uma redução nada desprezível. E, ainda, sem o 'guarda-chuva do FMI', visto que nosso acordo não foi renovado por decisão do governo brasileiro.

Como se vê, este país, o Brasil medido em dólares, é uma potência que alavanca nosso desenvolvimento. Ruptura com credores externos e auditoria da dívida externa eram bravatas do velho PT, que agora, perante a nova realidade, passaram ao esquecimento. Quando, entretanto, olhamos para dentro, isto é, o País gerido em reais, com seus problemas e sua crise política, a história não é exatamente a mesma. De acordo com a revista The Economist da terceira semana de agosto, o Brasil deve crescer em torno de 3% em 2005, o menor crescimento entre os 25 países emergentes pesquisados. Não fosse nosso esforço exportador, o resultado seria ainda mais desastroso. As razões para esse crescimento bem abaixo do nosso potencial são conhecidas de todos. Os resultados do segundo trimestre, divulgados na última semana, mostram alguma recuperação do PIB e, principalmente, dos investimentos. Entretanto, esses dados positivos praticamente não sofreram influência da crise política, que se agravou a partir da segunda quinzena de junho. A verdade é que nossos juros internos continuam sendo os mais altos do mundo, com uma taxa real de mais de 14% ao ano, enquanto a China, a segunda colocada, convive com uma taxa real de juros de cerca de 6% ao ano. A elevada carga tributária, outro sério impedimento para o desenvolvimento sustentado do País, está próxima dos 37% do PIB, com tendência crescente. Aparentemente, ninguém em Brasília está preocupado com esse verdadeiro assalto aos cofres das empresas e ao bolso do contribuinte. O Congresso, em crise dramática, vive por conta das CPIs, o que faz com que o Brasil institucional, aquele que precisa de reformas, vá ficando para trás. E o presidente Lula, com discursos diários em defesa do seu partido e do seu governo, permanece imóvel, sem forças para fazer que o Congresso trabalhe em prol do País.

Embora o comércio também tenha crescido no segundo trimestre, a confiança do consumidor (de acordo com a FGV) sofre a terceira queda consecutiva, já influenciada pelas incertezas da crise. Esse avanço da economia no trimestre (que deve ser comemorado) ainda não é suficiente para fazer a dívida líquida do setor público deixar de ser a maior preocupação dos analistas externos. Próxima de R$ 1 trilhão, representa 51,3% do PIB, e tudo indica que crescerá um pouco mais até o final do ano.

O atual 'cenário benigno' com relação à inflação pode levar a que tenhamos uma primeira redução da taxa Selic em setembro. Ainda assim, insuficiente para mudar significativamente o nosso panorama quando medido em reais, especialmente ao sabermos que o orçamento da União prevê taxa Selic de 17% ao ano no final de 2006, ainda das mais altas do mundo. É certo, porém, que a crise política que paralisou o governo e o Congresso tem peso significativo nesse quadro, ainda sombrio, quando olhamos para dentro do País, aquele do real. Todos aguardam ansiosos para ver o fim dessa mancha negra na História do Brasil, com o expurgo dos maus políticos, conforme assegura o presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), ao afirmar que 'a CPI não acabará em pizza'. E com essa 'limpeza' possamos iniciar o ano de 2006 otimistas, com mais investimentos, maior crescimento econômico e vendo o Brasil deixar de ser o último vagão do trem dos países emergentes.?