Título: Os males da política externa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/09/2005, Notas e Informações, p. A3

Há cerca de três semanas, comentando a decisão da União Africana, que decidira não apoiar a proposta de reforma do Conselho de Segurança da ONU patrocinada pelo G-4 - do qual faz parte o Brasil -, o chanceler Celso Amorim queixou-se amargamente da imprensa brasileira, a seu ver excessivamente crítica da atual política externa. Chegou a dizer que identificava nessas críticas uma 'torcida' contra o êxito da proposta. 'Preciso fazer psicanálise para entender (esse comportamento)', afirmou. Esta semana, em depoimento na Comissão de Relações Exteriores do Senado, o ministro Celso Amorim voltou a atacar a imprensa, à qual atribuiu a tal 'torcida' para que as ações de política externa 'não caminhem bem' e a acusou de fazer críticas 'irreais' ao Itamaraty. Mas deixou o terreno da psicanálise, preferindo outras disciplinas para explicar as críticas feitas pela imprensa - especialmente pelo Estado, único jornal diretamente citado pelo chanceler: 'Talvez fosse o caso de conversar com antropólogos e sociólogos, para que se detenham nessa necessidade de autoflagelação que existe no Brasil.' Não será com psicanalistas, antropólogos e sociólogos que o chanceler encontrará as explicações que procura. Elas estão na política externa do governo Lula, formulada e executada pelos embaixadores Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e pelo assessor presidencial Marco Aurélio Garcia. Trata-se de política fundamentada num tipo de nacionalismo que já era retrógrado na década de 1950, num terceiro-mundismo que já estava ultrapassado há 30 anos e num antiamericanismo que nunca foi capaz, por si só, de ampliar a autonomia do Brasil em suas relações políticas e comerciais com o mundo. E note-se que a busca da autonomia não começou com o governo do PT, tendo sido, sempre, uma das diretrizes permanentes da política externa, exceto no governo Castelo Branco. Não se justifica, portanto, que o assessor Marco Aurélio Garcia atribua aos críticos da política externa uma 'nostalgia da submissão'. Durante bom tempo, a retórica flamejante - ou, para repetir a adjetivação da imprensa, da qual o chanceler se queixou, o 'espalhafato', o 'excesso de exibicionismo' e a 'estridência' - da diplomacia conseguiu para a política externa petista se não o apoio, pelo menos a neutralidade de parte da mídia. Mas, à medida que os previsíveis resultados dessa política, carregada de ideologia e vazia de pragmatismo, foram se tornando evidentes, as ações do Itamaraty passaram a ser analisadas criticamente pelos principais órgãos da imprensa. Até mesmo colunistas que antes acusavam os críticos da política externa de pertencer à 'quinta-coluna' agora apontam, com acidez, os pontos fracos dessa política.

Não por coincidência, o chanceler Celso Amorim e seus companheiros de triunvirato passaram a ver na imprensa um inimigo a combater. Há dias, a Folha de S.Paulo publicou artigo em que o senador Jefferson Péres, uma das figuras mais respeitáveis do Senado, apontava alguns erros da política externa: o engajamento ideológico que perdeu sentido prático com o fim da guerra fria; e o que chamou de 'objetivos impossíveis', de liderar a América Latina e de formar um bloco com a China e a Índia, em contraposição aos EUA. Fez o balanço de uma política 'marcada por sonhos megalomaníacos, desapego a princípios e malogro nas disputas'. Embora os fatos lhe dessem razão, recebeu uma resposta malcriada do assessor Marco Aurélio Garcia, que tentou anular as críticas desqualificando o seu autor, sem imaginar que a megalomania criticada seria confirmada dias depois pelo presidente Lula ao se arvorar em moderno Bolívar.

Essas diatribes não escondem fatos básicos que vão do impasse das negociações com as grandes potências comerciais ao fracasso do projeto de liderar a América do Sul e à frustração do sonho de ser membro permanente do Conselho de Segurança, passando pela aliança estratégica com a China, que beneficiou Pequim, mas não o Brasil.

A política externa brasileira não é criticada porque a mídia sofre a síndrome do pessimismo ou do derrotismo. Ela é criticada porque se desviou de uma linha de pragmatismo que vinha trazendo bons resultados para o País, tanto do ponto de vista do prestígio internacional como da inserção da economia no mundo globalizado. Bolivarismo e bravatas antiamericanas são prerrogativas do coronel Chávez.