Título: Governo apóia estudos com plantas
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/09/2005, Vida&, p. A15

BRASÍLIA - Antes de ingressar na faculdade, o pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, Walber Frutuoso, acompanhou de perto o périplo de seu pai para tratar uma úlcera que, não raramente, sangrava. A família, que ainda vivia em São João do Miriti, recebeu de um vizinho a sugestão de ingerir uma planta, um tipo de boldo, batida no liquidificador ou em forma de chá. "Aos poucos, ele foi melhorando. Passado um tempo, raramente se queixava de dor", recorda o cientista. Frutuoso não se esqueceu da experiência do pai. Depois de formado, levou o tema para seus companheiros de laboratório e elegeu a planta para sua tese de mestrado e, mais tarde, de doutorado. "Fomos pouco a pouco comprovando a eficácia terapêutica da planta", afirma. Agora o boldo, cujo nome científico é Vernonia condesata baker, será alvo de mais uma pesquisa, desta vez patrocinada pelos Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia.

O governo escolheu oito projetos que buscam na fauna e na flora brasileiras alternativas de tratamento para doenças consideradas problemas de saúde pública, como diabetes, malária e Alzheimer. Cada estudo receberá recursos do governo e também da iniciativa privada. Estar associado a uma indústria foi uma das exigências da chamada pública.

"Muitas vezes a pesquisa se desenvolve rapidamente na universidade, mas depois fica parada, à espera de uma indústria interessada em encampar o projeto", afirma a diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Suzanne Serruya. "Queríamos evitar esse lapso, daí a exigência de uma experiência compartilhada desde o início." Quando o governo anunciou o financiamento, a intenção era distribuir R$ 12 milhões. Mas como somente oito projetos atenderam às exigências do concurso, o valor foi reduzido a R$ 6,9 milhões, que serão pagos ao longo de três anos.

A equipe do Instituto Oswaldo Cruz, da qual Frutuoso faz parte, vai dedicar os próximos três anos ao desenvolvimento de um antiinflamatório, provavelmente de uso oral, com base nas propriedades do boldo. Estudos feitos até agora mostram que a planta tem efeitos antiinflamatórios e analgésicos e ainda tem a vantagem de não irritar o aparelho digestivo, como ocorre com outras drogas de uso similar. Os pesquisadores não sabem ainda qual o mecanismo de ação do remédio - algo que eles chamam de alvo molecular. No estudo, os cientistas querem responder a essa pergunta e avaliar, de forma mais precisa, a toxicidade da planta.

CATUABA

Entre os trabalhos selecionados, alguns estão em fase bastante avançada. É o caso da cácea, uma flor amarela, que desde 1995 é estudada pela equipe da Unesp. A pesquisadora Vanderlan da Silva Bolzani afirma que estudos indicam que uma substância alcalóide existente na planta, a espectalina, tem atividades antiinflamatórias, analgésicas e atua como regulador da produção de acetilcolina, um neurotransmissor. Em pacientes com Alzheimer, há um desequilíbrio na quantidade desse princípio. "Vamos avaliar se uma substância semi-sintética, feita a partir da espectalina, tem boas indicações para o tratamento de Alzheimer", afirma Vanderlan. Estudos preliminares já demostraram que sim.

A catuaba, cultuada pela tradição popular por seus efeitos afrodisíacos e considerada um tônico poderoso, também será alvo de estudo. Mas para outro fim. Na Universidade Federal de Santa Catarina, a planta, que já é comercializada num composto com outras três espécies, batizada de catuama, terá agora seu poder antidepressivo avaliado. "A idéia é padronizar o produto, trabalhar na sua farmacosintética e ampliar testes clínicos", afirmou o coordenador do estudo, João Batista Calixto. A ele também caberá tarefa semelhante com o guaco, mas para tratamento de asma. Calixto afirma que, no caso da catuaba, o estudo traz uma série de dados promissores. Entre eles, a alta aceitação dos pacientes. "Pacientes preferem tratamentos feitos a partir de plantas, os fitofármacos."

A Unicamp teve também um estudo selecionado. Ele será encarregado de desenvolver uma metodologia para produzir em larga escala e de forma padronizada uma substância que tem como ponto de partida a Artemisa L. A partir da planta, a equipe consegue produzir o ácido artesumico, uma das substâncias promissoras para tratar a malária.