Título: Contribuição dos sindicatos na política
Autor: José Pastore
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

O artigo nº 592 da velha CLT determina os fins nos quais a contribuição sindical deve ser gasta, não prevendo a ajuda a partidos políticos e campanhas eleitorais, como quer o projeto de lei aprovado no Senado Federal que trata da reforma política. O que dizer dessa abertura? É legítimo às entidades sindicais fazerem contribuições a partidos e candidatos? Em princípio, sim. Afinal, tais entidades defendem os interesses dos trabalhadores. Se isso pode ser feito pela ação política, por que não?

No mundo inteiro os sindicatos se envolvem com a política partidária. O grau de envolvimento varia. Nos países comunistas, os sindicatos são meras correias de transmissão do partido e do governo (Cuba, China e Coréia do Norte). Na União Européia, a participação dos sindicatos na política é intensa.

Nos Estados Unidos e no Canadá, os limites são mais estreitos: a lei eleitoral restringe as contribuições sindicais às convenções dos partidos.

Quanto aos candidatos, a lei permite apenas pequenas quantias (US$ 1 mil).

Em todos os países há requisitos para as referidas contribuições. O primeiro é que a finalidade conste dos estatutos das entidades. O segundo é que cada contribuição seja aprovada pela assembléia dos filiados. O terceiro é a de rigorosa prestação de contas.

No Brasil a lei atual apresenta complicações para a pretendida participação dos sindicatos. Entre nós, as entidades sindicais são mantidas por quatro contribuições: 1) associativa, 2) assistencial, 3) confederativa e 4) sindical. As três primeiras são voluntárias e admitem oposição. A quarta é obrigatória.

Para a maioria dos sindicatos, a contribuição sindical é a principal fonte de recursos. Por força de lei, os trabalhadores têm um dia de salário por ano que é destinado aos sindicatos, sejam ou não filiados.

Ocorre que nas assembléias sindicais só tomam parte os filiados - que são a minoria dos trabalhadores. Ali eles poderão decidir como bancar campanhas eleitorais. Mas os não-filiados - que são a esmagadora maioria - não poderão participar das assembléias para ali opinar, discutir, votar e vetar propostas. Estarão impedidos, assim, de zelar pelos seus recursos, pelos princípios e pela opção partidária - o que não é democrático.

Portanto muita coisa terá de ser mudada na CLT para que os sindicatos venham a contribuir nas campanhas políticas de modo salutar. Mudança importante terá de ser feita na área do controle das aplicações dos recursos.

Você, caro leitor, viu, alguma vez, um sindicato publicar seu balanço anual em jornal de grande circulação? A Constituição federal de 1988 ampliou as liberdades sindicais - o que foi muito bom. Mas estas foram interpretadas pelos sindicalistas na base do "liberô geral".

Eles não publicam balanços nem prestam contas a nenhum órgão governamental, apesar de a contribuição sindical ter caráter tributário - é dinheiro público. Não conheço nenhuma instituição que recolha tributos sem obrigatoriedade de prestar contas ao governo.

O aperfeiçoamento desses controles será fundamental para abrir a porta das contribuições sindicais na área política. Os problemas de desvios de recursos de entidades sindicais existem em todo o mundo e vêm desde os tempos de Al Capone em Chicago até os dias atuais, como é o atual escândalo das comissões de fábrica da Volkswagen da Alemanha.

Descobriu-se que um grande esquema de corrupção favorece sindicalistas privilegiados que usufruem de viagens e festas em hotéis de cinco estrelas, inclusive no carnaval do Rio de Janeiro.

O desvio de recursos vem de longe. Na primavera de 2001, um andar inteiro do prostíbulo Sex World, em Hannover, foi alugado para os diretores da comissão de fábrica da Audi, um evento que durou a noite toda, fartamente regado a champanhe e prostitutas - tudo pago com os recursos das comissões de fábrica.

Até amantes vinham sendo sustentadas com o dinheiro dos trabalhadores (Escândalo na Volks envolve prostitutas e subornos, Folha de S. Paulo, 22/5/2005).

Se em países avançados e bem controlados há desvios dessa natureza, o que poderá ocorrer no Brasil se as contribuições às campanhas eleitorais não foram bem reguladas na sua concessão e prestação de contas?

Em suma, desde que as entidades sindicais explicitem em seus estatutos, abram espaços para todos os trabalhadores votarem e se submetam aos controles dos mesmos, a pretendida contribuição pode ser de interesse.