Título: A tragédia de Chernobyl encolheu
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/09/2005, Vida&, p. A16

O maior acidente nuclear da História não provocou tantas mortes quanto se imaginava. Até agora, 56 mortes foram diretamente relacionadas à radiação liberada em 1986 pela usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, na época uma república soviética. O número é bem menor que o divulgado pelas autoridades ucranianas, que falavam em mais de 100 mil mortos. O novo número foi divulgado ontem pela Organização das Nações Unidas (ONU) com base num estudo elaborado por uma centena de cientistas e profissionais de saúde.

Esse levantamento calcula também que 3.940 pessoas ainda deverão morrer de câncer - número também menor que os 8 mil estimados por estudos recentes e os 150 mil divulgados pelo governo ucraniano logo após a tragédia.

As pessoas que deverão morrer em decorrência do acidente de 19 anos atrás estão entre os 200 mil funcionários que foram chamados para cuidar da limpeza e da reconstrução da área e os 400 mil habitantes da região do acidente.

Dos 56 mortos em Chernobyl, 47 eram funcionários e 9 eram crianças, que morreram de câncer de tireóide.

As projeções exageradas ocorreram em parte por causa de erros nos cálculos sobre a quantidade de radiação à qual as pessoas foram expostas. Além disso, segundo um funcionário da ONU, os países afetados pelo acidente (inicialmente a União Soviética; depois, com seu fim, Ucrânia, Bielo-Rússia e Rússia) inflaram a gravidade do impacto com o objetivo de conseguir mais dinheiro. "Houve um grande interesse em criar uma imagem distorcida", disse o coordenador da ONU para os assuntos de Chernobyl, Kalman Mizsei.

Ainda segundo o documento divulgado ontem pelas Nações Unidas, esses números irreais e as conseqüentes preocupações acabaram criando graves problemas psicológicos na população afetada.

"Houve uma tendência a atribuir todos os problemas de saúde à radiação, o que levou os habitantes a acreditar que as fatalidades relacionadas a Chernobyl foram muito maiores", concluíram os pesquisadores.

No relatório de 550 páginas, eles chegaram à conclusão de que não houve problemas genéticos ou reprodutivos entre os sobreviventes. Cerca de 4 mil pessoas desenvolveram câncer de tireóide, a maioria crianças e adolescentes em 1986. A taxa de sobrevivência, no entanto, foi de 99%.

O estudo é o maior já feito sobre a tragédia nuclear de 1986. Entre os patrocinadores estão a Organização Mundial da Saúde (ligada à ONU), o Banco Mundial e os governos de Ucrânia, Rússia e Bielo-Rússia.

CRÍTICAS

O Greenpeace questionou a metodologia adotada pelos especialistas da ONU. "Eles só contaram mortes por câncer, mas não consideraram as mortes prematuras", disse Vladimir Chuprovc, coordenador do Greenpeace na Rússia. "Milhares de funcionários tiveram o sistema imunológico enfraquecido e agora estão mais suscetíveis a doenças, o que resultará em mortes prematuras."

Há até quem diga que os números da ONU são exagerados. Rafael Arutyunian, do Instituto de Segurança Nuclear da Academia Russa de Ciência, afirma que as mortes ligadas a Chernobyl nos três países deverão chegar a 300 - não a quase 4 mil. A 130 quilômetros ao norte de Kiev, capital da Ucrânia, o reator 4 da usina nuclear de Chernobyl explodiu na madrugada de 26 de abril de 1986. O acidente ocorreu durante uma operação de manutenção. Em vez de apagar o reator com a inclusão de barras de grafite entre os elementos de urânio-235, uma manobra equivocada dos técnicos da usina provocou o reaquecimento do núcleo ativo do reator, a transformação da água de resfriamento em vapor e a conseqüente explosão.

Durante dez dias, as ruínas do reator destruído continuaram a apresentar vazamentos de altas doses de radioatividade. Eles só cessaram em novembro, quando foi concluída a construção de um "sarcófago" de cimento armado, que cobriu toda a área do reator. A nuvem radioativa, em forma de poeira, se espalhou por parte da Europa.