Título: Brasil inicia pesquisas com células embrionárias humanas
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/09/2005, Vida&, p. A25

O Brasil começa, neste mês, a dar seus primeiros passos, ainda que discretos, no altamente desafiador e igualmente polêmico campo das pesquisas com células-tronco embrionárias humanas. A largada foi dada na semana passada, com a publicação do primeiro edital federal aberto para experimentos nessa área. Os resultados refletem o progresso do País nos estudos com células-tronco adultas, acompanhados de uma estréia ainda tímida das pesquisas embrionárias: de 41 projetos aprovados, apenas 3 vão trabalhar exclusivamente com células-tronco de embriões humanos.

A maioria dos trabalhos envolve ainda o uso das células-tronco de tecidos "adultos" (já especializados), como as do sangue de cordão umbilical e da medula óssea.

Apesar da frustração de alguns pesquisadores, que esperavam trabalhar com células embrionárias, o coordenador do comitê científico que avaliou os projetos disse que o resultado foi um reflexo da demanda.

"A demanda foi fortemente baseada em células-tronco adultas porque essa é a situação da pesquisa no mundo", diz Luiz Fernando Lima Reis, do Instituto Ludwig de Pesquisa do Câncer. "O edital não distinguia entre a origem da célula-tronco, se era embrionária ou adulta. Portanto, não havia vantagem competitiva."

Ainda não está definido se algum dos projetos tentará estabelecer novas linhagens a partir de embriões humanos brasileiros ou se todos farão uso de linhagens importadas, derivadas de embriões fora do Brasil.

As pesquisas com células de embriões humanos só foram autorizadas no País em março, a partir da nova Lei de Biossegurança. O que significa que a experiência brasileira nessa área ainda é praticamente nula. Com a garantia de financiamento e apoio por parte do governo, entretanto, cientistas acreditam que o País poderá avançar rapidamente nas pesquisas.

"Nossa expectativa é continuar investindo, de modo que possamos acompanhar as pesquisas internacionais", disse a diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Suzanne Jacob Serruya. O edital, de R$ 11 milhões, utiliza recursos da pasta e do Fundo Setorial de Biotecnologia. No total, foram submetidos 106 projetos.

"O período é propício para o Brasil. Vamos pegar o bonde andando, mas com competência para subir a bordo", diz o cientista brasileiro Stevens Rehen, que deixou recentemente os Estados Unidos para pesquisar células-tronco embrionárias na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Seu projeto, que foi um dos aprovados no edital, vai estudar a ocorrência de alterações cromossômicas nas células embrionárias in vitro, seguido da sua diferenciação em neurônios e aplicação no cérebro de camundongos. Para isso, ele usará linhagens embrionárias que trouxe congeladas dos EUA.

PESQUISA DA MODA

Em meio à polêmica ética nacional que se formou em torno do uso de embriões, projetos de pesquisa e experimentos clínicos de todos os tipos envolvendo células-tronco começaram a aparecer pelo País. Apesar de alguns resultados promissores, especialistas esclarecem que todos os tratamentos são ainda experimentais. O único uso terapêutico comprovado nessa área é o de células-tronco da medula e do cordão umbilical para tratamento da leucemia, além de algumas aplicações pontuais em ortopedia.

No caso da células embrionárias, as pesquisas são ainda mais preliminares. "Não há, no mundo, nenhum uso de células-tronco embrionárias em pacientes. Qualquer afirmação além disso não será verdadeira", diz a pesquisadora Patricia Pranke, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), cuja pesquisa foi uma das contempladas no edital.

Coordenado pelo pesquisador Carlos Alexandre Netto, o projeto vai comparar a aplicabilidade de células-tronco adultas e embrionárias em isquemias cerebrais e na recuperação de lesões da medula espinhal.

Mesmo nos países onde as pesquisas já estão mais desenvolvidas, como EUA, Inglaterra e Coréia, os cientistas ainda enfrentam grande dificuldade para controlar o cultivo das células embrionárias e sua diferenciação em outros tipos de tecido.

"O maior sucesso de qualquer projeto nesse momento será conseguir que essas células se dividam em cultura, em estágio indiferenciado", resume Rehen. Esse é o objetivo básico de outro projeto carioca, no Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras.

"É essencial que consigamos desenvolver linhagens de células-tronco embrionárias no Brasil", afirma o pesquisador Bernardo Rangel Tura. Só assim, segundo ele, será possível competir com os países mais avançados. A equipe do projeto ainda não decidiu, porém, se vai trabalhar com células de linhagens estrangeiras ou derivadas de embriões brasileiros.

Outros pesquisadores lamentaram a não-aprovação de projetos voltados especificamente para o desenvolvimento de linhagens brasileiras. "Acho que as pesquisas com células-tronco embrionárias foram negligenciadas", diz a cientista Lygia Pereira, da Universidade de São Paulo (USP).

"Fizemos uma luta enorme para liberar as pesquisas e agora não tem quase ninguém trabalhando com elas", lamentou também a geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.