Título: Fruet: `É agora que vai começar¿
Autor: Lourival Sant¿Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/09/2005, Nacional, p. A10

A CPI dos Correios já recebeu 80% das informações que pediu aos bancos e às operadoras de telefonia. É a maior quebra de sigilo telefônico desde a privatização. Desse estonteante banco de dados de 1 milhão de ligações telefônicas e 200 mil documentos bancários, muito pouco se sabe até agora. Os dois meses e meio transcorridos desde a instalação da CPI, em 17 de junho, foram consumidos no pedido de informações e na sua sistematização. "O grosso não foi divulgado ainda", diz o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), sub-relator de movimentação financeira. "É agora que vai começar." O maior inimigo da CPI é o tempo: o prazo regimental de 180 dias para a conclusão dos trabalhos termina em meados de dezembro, coincidindo com o início do recesso dos parlamentares. Até lá, os seis técnicos - dois do Banco Central, um do Senado e três do Tribunal de Contas da União (TCU) - obviamente não terão passado os olhos em tudo.

Dependerá do faro da equipe para ir atrás das pistas quentes. E de sua capacidade de análise. "Temos que ter a sabedoria de aproveitar os dados", diz o deputado. "Não adianta ver que tem lá 200 mil documentos e não tirar proveito." De qualquer forma, o material não será esgotado pela CPI. "Não vamos fechar 100% essa história", resigna-se Fruet, em entrevista ao Estado. "Não porque não queiramos, mas porque não há tempo hábil."

Como está o ritmo da CPI?

Nosso prazo final é novembro, mas nosso tempo é diferente. Temos um desafio. Entramos numa fase que supera a guerrilha e vai para a qualificação. Para qualificar, primeiro precisamos de acesso aos dados. Demorou muito. Principalmente a movimentação bancária e o sigilo telefônico. Quando começaram a chegar, os dados vieram em padrões diferentes. Não era possível a análise desse material, porque cada um mandava num formato. Agora é que as informações estão chegando padronizadas, a pedido da CPI.

Isso levou quanto tempo?

Trinta dias, no mínimo. O volume de informações é muito extenso. Já temos no sistema 177 contas pertencentes a 50 empresas e 30 pessoas físicas num período de cinco anos. Temos 1 milhão de ligações telefônicas de duas operadoras (de um total de 25 de telefonia fixa e 33 de celular existentes no País).

Nunca se fez o levantamento de tantos sigilos telefônicos como agora. É a maior CPI depois da privatização. Se você liga para a mesma operadora que a sua, você tem a origem, destino e nomes. Quando liga para uma operadora diferente, você tem a origem, mas só tem o número do destino.

Então, você precisa ter a base de dados das duas para fazer o confronto de informações. E não há nenhum órgão no Brasil com acesso a todas as bases de dados das operadoras. Essa checagem também levou no mínimo 30 dias. Uma coisa é o usuário, outra o dono do telefone. Ali aparece muita ligação para telefone internacional e para nome de empresa ou da própria operadora - ou seja, não identifica o usuário. Para isso, precisamos do apoio da Polícia Federal.

Quando a gente quebra o sigilo telefônico de alguém, a Anatel não sabe quantos telefones essa pessoa tem. Você tem que pedir para cada operadora. Da mesma forma, o Banco Central também não sabe quantas contas tem. Tem que pedir para cada instituição financeira (de um total de 2.473).

E já chegou tudo?

Já temos hoje quase 80% (das informações pedidas). Começamos a carregar (os dados no sistema) na semana passada, e acho que vai até esse final de semana. Mas em uma semana avançou o que não tinha avançado em dois meses. Não adianta a gente ficar numa gincana até o último dado, o último cheque, a última conta. Temos que ter o sistema carregado para fazermos agora a análise.

E para isso temos uma equipe competente de auditores. Na hora que tivermos isso sistematizado, a gente abre. Os membros da CPI podem analisar e a gente pode dar publicidade a muita coisa.

Tem muita coisa que vocês já sabem e ainda não foi divulgada? O grosso não foi divulgado ainda. É agora que vai começar. Por exemplo, na movimentação financeira do Marcos Valério, é impressionante a deliberada confusão na contabilidade dele. É uma forma de evitar rastreamento.

Vamos supor que a origem do dinheiro sejam empréstimos dos bancos. Por si só seria grave, porque historicamente esses bancos não emprestam para partidos. O que seria lógico? Emprestou, o dinheiro entra na conta do Marcos Valério e paga o PT ou as pessoas que o Delúbio (Soares, ex-tesoureiro do PT) indicar. Mas não é assim.

O dinheiro faz um passeio por outras contas, inclusive de pessoas estranhas à empresa. Achamos uma conta na contabilidade dele que era usada para esse fim.

E era justamente essa conta que tinha a maior omissão de dados, quando pedimos informação. Outro problema é que, no início, o material vinha em papel. São mais de 200 mil documentos. A CPI ia levar anos para analisá-los.

Agora está tudo em arquivos eletrônicos?

Está. Mas agora se some a isso a questão dos contratos, que estão sendo auditados pelo TCU. São cem auditores auditando 38 contratos prioritariamente dos Correios, em várias áreas: publicidade, informática, compras de bens. E vai começar a chegar agora material sobre os fundos de pensão. Tenho defendido junto ao presidente (senador Delcidio Amaral, do PT-MS) que tem que montar uma outra equipe para cuidar disso. O volume de material dos fundos de pensão, se não tomar cuidado, engole a CPI.

Diante dessa monumental quantidade de informações, é possível passar os olhos em tudo antes de escrever um relatório final?

Não. Por isso temos que montar um sistema, e para isso é que tem uma equipe de auditores e o pessoal da área financeira do Banco Central. Temos que ter a sabedoria de aproveitar os dados. Numa situação normal, o TCU levaria de seis meses a um ano para fazer a auditoria desses contratos. Estamos tentando fazer em um mês e meio.

Na análise do cruzamento de informação bancária, em contas como a do (publicitário) Duda Mendonça no exterior, a Polícia Federal leva normalmente de um a dois anos.

Nós não temos isso. Mesmo no ritmo intenso que está sendo feito, com a pressão que existe, que é legítima, mas com a necessidade de poder qualificar e ter acesso aos dados, não vamos fechar 100% essa história. Não porque não queiramos, mas porque não há tempo hábil para isso.