Título: Grandes bancos já enxergam oportunidades no microcrédito
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/09/2005, Economia & Negócios, p. B15

O microcrédito produtivo, voltado a pequenos empreendedores, não é visto pelos bancos privados como um produto financeiro rentável, apesar da obrigação de destinarem 2% do dinheiro depositado pelos clientes em conta corrente para este fim. Com vistas a adquirir know-how nesse campo - e, a longo prazo, abraçarem uma nova leva de clientes -, instituições financeiras de grande porte desenvolvem mecanismos diferenciados para oferecerem essa modalidade de crédito.

Um exemplo é o Itaú, que usou o conhecimento da sua Fundação Itaú Social e criou o "Prêmio de Apoio ao Empreendedor", para destinar recursos a organizações de todo o País que trabalham com microcrédito. Seis entidades já foram selecionadas como finalistas e deverão receber um total de R$ 190 mil como premiação, para alavancar os sistemas de crédito locais. Os vencedores serão conhecidos em outubro.

Para o banco, é a oportunidade para aprender um pouco mais sobre microfinanças. "O sistema bancário tem dificuldades para lidar com a economia informal, por isso é interessante esse aprendizado com as organizações", explica Antonio Matias, vice-presidente-executivo do Itaú.

Matias não está errado. Independentemente do interesse recente dos bancos de entrar no segmento, o microcrédito produtivo vem ganhando fôlego no País graças às iniciativas de organizações que se dedicam a emprestar dinheiro para os microempreendedores, a maioria excluída do sistema bancário tradicional.

É o caso do Banco Popular, que atende a região de Ipatinga, no leste de Minas Gerais, e um dos finalistas do Prêmio do Itaú. Começou em 1998, como uma associação, com um aporte inicial de meros R$ 120 mil da prefeitura do município. Com a captação de recursos em entidades estaduais e federais, como o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e o BNDES, o Banco Popular pôde crescer.

Hoje, conta com uma carteira de 1.525 clientes ativos. Quer ampliar sua cobertura dos atuais dez municípios da região para 90, e atingir 10 mil clientes até 2010, com base no know-how adquirido nos sete anos de atuação.

"Já emprestamos um total de R$ 16 milhões, para 9,5 mil empreendedores que geram 1,7 mil empregos diretos aqui na região", conta Erique Morais de Barros, diretor-executivo do Banco Popular. Segundo ele, a maioria - 75% - atua na informalidade. "São salgadeiras, sacoleiras e ambulantes, que nem sequer têm conta em banco. Eles tomam empréstimos para que seus pequenos negócios tenham capital de giro", explica.

O Banco Popular, que trabalha com taxas de juros que variam de 3,4% a 3,6% mensais, está tecendo suas estratégias de expansão, já que é preciso uma carteira ampla de clientes para amortizar os custos altos da operação - especialmente com pessoal, uma vez que o microcrédito prima pelo atendimento personalizado e acompanhamento da evolução dos negócios.

A organização pretende criar mais linhas de crédito diferenciadas e um sistema de agências itinerantes - uma van com agentes de crédito vai percorrer as cidades, identificando potenciais clientes. "No microcrédito, temos de chegar às pessoas, pois muitos têm até vergonha de entrar na agência", diz Barros.

Nos mesmos moldes atua o Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos do Estado da Bahia (Ceape-BA), que funciona desde 1994 em 25 municípios baianos. Com uma carteira ativa de R$ 2 milhões e 1,4 mil clientes, a organização, que começou com aporte de recursos do Unicef, foca nos empreendedores do meio urbano, de cidades como Salvador e Feira de Santana.

"Damos nossa contribuição para fortalecer a atividade produtiva já existente. Do nosso universo de clientes, 86% têm pequenos comércios", diz José Nélio Corsini, diretor-executivo do Ceape-BA. A entidade opera com taxa de juro média de 4,2%, e os recursos vêm de parceiros como o Unicef, BID, BNDES e a Disop, uma organização belga.

Outro grande conglomerado financeiro de olho nas microfinanças é o Citigroup, que acaba de lançar uma iniciativa internacional, em 30 países, para premiar os pequenos empreendedores, por meio da Citi Foundation, seu braço social.

Em parceria com a Accion, ONG que há 30 anos fornece capacitação em microcrédito, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Citigroup vai conceder R$ 37 mil em prêmios para os empreendedores brasileiros. Até então, o único banco privado que havia se aventurado no universo do microcrédito havia sido o ABN Amro Real, que começou com uma iniciativa piloto na favela de Heliópolis, zona sul de São Paulo, em 2002.

O banco criou uma divisão para este fim, a Real Microcrédito, e tem aumentado sua base de clientes. Hoje, já são quase 6 mil, com uma carteira ativa de R$ 7,2 milhões. Oferece crédito a juros de 2% a 3,5% ao mês.

Para Corsini, do Ceape-BA, o atual momento é importante para o segmento de microcrédito, uma vez que há atenção do governo para esta questão e uma articulação maior das organizações que trabalham com microfinanças, além do interesse dos bancos privados em entrar no negócio.

Para ele, a política seguida pelos bancos, do atendimento automatizado, não funciona. "Esse caminho de afastar os clientes da agência, seguido pelos bancos privados, não funciona no microcrédito."