Título: O custo da habilitação
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/09/2005, Notas e Informações, p. A3

Com a entrada em vigor da Resolução 168/2004, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), os custos da renovação da carteira de habilitação no Estado de São Paulo, que eram de R$ 65,84, passaram a variar entre R$ 102 e R$ 151,00. Além do aumento de quase 130%, os motoristas terão um custo a mais: a perda de tempo no processo de renovação. Deverão comprovar noções sobre direção defensiva e primeiros socorros e, para adquirir os conhecimentos exigidos, precisam optar entre freqüentar cursos de 15 horas e utilizar-se do ensino a distância ou de esquema autodidata, usando duas cartilhas que o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) deixa disponível em seu site (http://www.denatran.gov.br). O Denatran estima que 25 milhões de motoristas farão o curso até 2010, na renovação da carteira de habilitação. Há excesso de otimismo nessa estimativa, pelo menos em São Paulo.

O alto custo já cobrado anteriormente no processo de renovação do documento foi um dos principais motivos que levaram 3,5 milhões de motoristas paulistas a não renovar a carteira nos últimos anos. Os outros foram a burocracia, a perda de tempo nas filas de bancos e dos órgãos de trânsito. Os motoristas com documentação vencida representam 28% do total de pessoas habilitadas no Estado. Dessas, 1,3 milhão circula com o documento irregular pelas ruas da capital. As normas fixadas pela Resolução 168/2004 poderão contribuir para o agravamento dessa situação.

Conforme a resolução do Conselho Nacional de Trânsito, os Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans) são responsáveis pela definição dos valores cobrados pelos cursos e pela prova. O Detran de São Paulo foi o que fixou os mais altos valores de todo o País. Somente pela prova, que em grande parte dos Estados é gratuita ou custa até R$ 10,00, será cobrado entre R$ 36,00 e R$ 40,00 dos paulistas. Tudo foi terceirizado em São Paulo, para alegria dos proprietários de centros de formação de condutores e auto-escolas.

Assim, quem optar pelo chamado "curso presencial" de direção defensiva e primeiros socorros, de 15 horas-aula, pagará entre R$ 45,00 e R$ 60,00. Nos outros Estados, o motorista que freqüentar 100% das aulas é dispensado da prova. No Estado de São Paulo, ninguém é dispensado.

Assim, além do curso, é preciso pagar também pela prova, pelo exame médico (R$ 43,89) e pela emissão da carteira (R$ 21,95) - essas duas últimas taxas eram as únicas que já eram cobradas.

A Resolução 168/2004 do Contran faz parte da regulamentação do artigo 150 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e está integrada a um conjunto de ações da Política Nacional de Trânsito. Anualmente, são registrados 1,5 milhão de acidentes no Brasil, que provocam a morte de 34 mil pessoas. Outras 400 mil ficam feridas nos centros urbanos. São 80 mortes e mil pessoas feridas a cada dia.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizado, em 2003, nas áreas urbanas revelou que o sistema público de saúde gasta, com o atendimento às vítimas de acidentes de trânsito, R$ 5,3 bilhões por ano. O total pode dobrar se forem considerados os acidentes em rodovias.

A violência do trânsito brasileiro é inquestionável. Mas a solução para o problema não está em 15 horas-aula de cursos de direção defensiva ou de primeiros socorros. Educação no trânsito é um processo que deve ser iniciado na infância e seguir até a idade adulta como parte do currículo escolar.

Primeiros socorros são ações que, mal-empregadas, podem piorar a situação das vítimas. Decorar uma cartilha e apresentar índice de aproveitamento de 70% num teste teórico não faz de ninguém um bom motorista. Isso assegura apenas um milionário ganha-pão a uns poucos empresários que atuam na formação de condutores.

Além disso, numa área conhecida pelos esquemas de corrupção, é preciso definir como será evitado o uso dos alunos de aluguel, que podem fazer o curso e até a prova em nome de motoristas com carteiras de habilitação vencida.