Título: Mania de comer direito demais também faz mal
Autor: Ricardo Westin e Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/09/2005, Vida&, p. A17

Atenção constante ao que vai pôr no prato. Trocar a carne de vaca por um peito de frango. Nada de gordura. Muita salada, temperada com sal e um fio de azeite de oliva - extra-virgem, claro. Em vez de refrigerante, suco natural ou água. No lugar da torta de chocolate, uma fruta fresca para a sobremesa. Uma alimentação assim todo dia é sinônimo de vida saudável, certo? Nem sempre. Enquanto estudos mostram que problemas de saúde decorrentes dos maus hábitos alimentares - como obesidade e doenças do coração - estão aumentando, há pessoas indo na direção oposta, levando a preocupação com uma alimentação saudável ao extremo. É um transtorno novo e que já tem nome: ortorexia (em grego, orthos significa correto e orexis, apetite).

"A alimentação saudável é uma opção de vida. Se vai além disso, pode virar uma prisão. A pessoa perde a liberdade de escolha. Passa a ver todos os outros alimentos como coisas que vão contaminá-la", diz a psiquiatra Isa Kabacznik, presidente do Comitê Multidisciplinar da Adolescência da Associação Paulista de Medicina.

Os reflexos acabam sendo sentidos na vida social. Quem sofre desse transtorno muitas vezes só consegue conversar sobre a importância de comer alimentos naturais. Gasta boa parte do dia planejando o que vai comer na próxima refeição. E deixa de sair, jantar fora com amigos e ir a festas só porque vai encontrar pessoas comendo aquilo que ela não come.

Segundo a psiquiatra, poucas pessoas conseguem perceber que estão exagerando na vigilância alimentar. "Nem todos se dão conta porque existe um estímulo para a adoção de uma vida saudável. A pessoa que convive com alguém que tem esse distúrbio acaba achando que é ela própria que não come corretamente. Acaba vendo o compulsivo como o correto."

Apesar de ter todas as características de um transtorno obsessivo-compulsivo, a ortorexia não é reconhecida oficialmente como doença. "É muito recente, ainda não há estudos. É um tipo de comportamento alterado que pode ser indício de outros distúrbios, como a anorexia", explica Táki Athanássios Cordás, coordenador-geral do Ambulatório de Bulimia do Hospital das Clínicas da USP.

De acordo com ele, antes de chegar à anorexia (doença alimentar que leva à perda do apetite), muitas pessoas foram gradativamente restringindo as opções do cardápio. "No tratamento para que voltem a comer, muitos se recusam a consumir certos alimentos, alegando que não são saudáveis."

A cura da ortorexia varia. Desde consultas em que o nutricionista informa que todos os alimentos têm importância para o organismo. Até tratamentos psicológicos. "Digo, por exemplo, que o abacate é, sim, gorduroso, mas que sua gordura tem boa qualidade, é antioxidante. Mas às vezes a vontade de estar bem fisicamente mexe tanto com a cabeça da pessoas que as minhas informações não são suficientes. Nesses casos, encaminho para um psicólogo", afirma a nutricionista Valéria Rangel.

Mas não é porque existe esse transtorno que não se deve preocupar com uma alimentação saudável. Segundo o Fundo Mundial para a Pesquisa do Câncer, uma dieta com grande quantidade e variedade de vegetais previne 20% dos casos de câncer. A Organização Mundial da Saúde calcula que o baixo consumo de frutas, legumes e verduras esteja associado a 30% das doenças isquêmicas do coração e 10% dos casos de derrame no mundo.

As donas do Deloonix, um restaurante em São Paulo especializado num tipo bastante peculiar de comida natural - a crua -, dizem que sua preocupação com uma alimentação saudável está na medida certa. "A comida crua deixa a pele mais bonita. O organismo funciona melhor", conta Clarissa Khury. Sua sócia, Marta Batilany, conclui: "Mas não basta se preocupar só com a comida. Vida saudável inclui fazer exercício, tomar sol, ter um hobby e cultivar boas amizades".