Título: Empresário confirma propina e diz que foi achacado por Severino
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/09/2005, Nacional, p. A4

Em relato de pouco menos de uma hora, o empresário Sebastião Augusto Buani revelou ontem em detalhes como pagou 'R$ 110 mil ou R$ 120 mil' em propina ao presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PPPE), entre 2002 e 2003, para garantir o funcionamento de restaurantes e lanchonetes no Congresso. Em 2002, Severino era primeiro-secretário da Casa, cargo que deixou em janeiro do ano seguinte. Mas teria continuado a receber pagamentos mensais de R$ 10 mil até 'agosto ou setembro' de 2003. As revelações complicam de vez a situação do presidente da Câmara, que vem negando insistentemente as denúncias. Os pagamentos, disse o empresário, foram feitos em dinheiro vivo, diretamente ao deputado ou a secretárias dele. Apenas uma vez, em junho de 2003, o suborno foi pago em cheque, do banco Bradesco.

A primeira quantia paga, segundo Buani, foi de R$ 40 mil, entregue nos primeiros dias de abril de 2002. Era o preço da assinatura de Severino em um documento - que hoje se sabe ser ilegal - prorrogando a autorização de funcionamento dos restaurantes e lanchonetes até janeiro de 2005. Buani disse ter presenciado a assinatura, em 4 de abril de 2002.

Segundo Buani, o documento foi apresentado numa reunião - no gabinete da primeirasecretaria - com Severino e o deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE). Ele disse ter ficado 'satisfeito' com a prorrogação, mas emendou: 'Aí surgiu o que eu não esperava.' 'Ele (Severino) disse: ´Deixe de ser chorão, você vai ter mais três anos de contrato, você me dá R$ 20 mil por cada ano.´ Eu falei que não tinha a mínima condição e ele disse: ´Então R$ 50 mil.´ Briga, briga, chegamos aos R$ 40 mil. Retirei parte do dinheiro no banco e o resto complementei com o faturamento do dia', contou.

ENVELOPE

O empresário disse que entregou o dinheiro em mãos, num envelope. 'Saímos andando, eu e ele, pelo corredor do Anexo 4. Se houvesse câmeras, como hoje, num Big Brother, teria sido gravado.' Buani não soube precisar quanto sacou do banco. 'Deve ter sido perto ou acima de R$ 20 mil ou até R$ 30 mil.'

O acerto funcionou até o fim de 2002, quando Buani foi surpreendido por uma carta da Diretoria-Geral da Câmara perguntando se tinha interesse em um contrato emergencial por mais um ano. Buani foi à primeira-secretaria e mostrou a cópia do documento pelo qual tinha pago R$ 40 mil. Na pasta com o processo, porém, não constava o original.

'O que tinha era um papel dizendo ´indefiro tal pedido´, assinado por Severino', relatou. 'Fui direto a ele, porque não tenho sangue de barata. E ele disse: ´Não se preocupe, enquanto eu estiver na Mesa Diretora, você estará aqui na Casa.´ Eu não tinha armas para brigar.'

FASE DOIS

Foi então que, segundo ele, começou a segunda fase dos pagamentos. Sem a prorrogação por três anos, Buani e Severino negociaram a propina para a renovação em 2003. Em janeiro daquele ano, Severino o chamou e disse que o processo estava pronto para ser assinado. 'Quero que você ganhe muito dinheiro', avisou Severino. 'Aí veio a história do mensalinho.

Começou o jogo', contou Buani.

No final do mês, Severino não tinha autorizado a prorrogação e ele decidiu procurá-lo. 'Ele dizia: ´Estou vindo de uma eleição, não vou ser mais primeiro-secretário, veja em que você pode me ajudar.´ Brincava, sorria, me dava abraço', registrou. 'No dia seguinte haveria eleição da Mesa Diretora e ele não seria mais primeiro-secretário.

O substituto não ia assinar.' Buani contou que ficou 'com o pires na mão' das 17h30 às 22 horas. 'Eu queria que fosse R$ 2 mil, mas ele bateu o pé com R$ 10 mil. Às 22h40 saí com o processo assinado.' O empresário diz que, entre fevereiro e 'agosto ou setembro' de 2003, pagou os R$ 10 mil. Em fevereiro, só conseguiu R$ 5 mil.

'Ele dizia para diluir os R$ 5 mil nos dois meses seguintes', explicou. No recesso do meio do ano o problema se repetiu. 'Ele ficou bravo. Eu tinha uma conta com R$ 50 mil ou R$ 60 mil para capital de giro.

Resolvi fazer um cheque.' Em agosto ou setembro de 2003 Buani suspendeu a propina. 'No início de 2004, me tomaram o restaurante dos funcionários da Câmara e a lanchonete do Anexo 3.' Restou-lhe o restaurante Fiorella, no 10.º andar do Anexo 4, que deixará de funcionar a partir de segunda-feira.

A estratégia dos advogados Sebastião Coelho da Silva e Ricardo Baitello, para Buani, é apresentá-lo com vítima de concussão (extorsão praticada por funcionário público), para livrá-lo de um processo por corrupção ativa. O empresário deve depor na Polícia Federal na próxima semana.