Título: Deflação chega a contas e prestações
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/09/2005, Economia & Negócios, p. B4

Não é só na hora de comprar arroz e feijão que o consumidor sente os efeitos da deflação dos preços, captada nos últimos meses por vários índices. Discretamente, o valor da prestação de imóveis corrigidos todo mês começa a cair, as contas de energia também já exibem um ligeiro recuo e, a médio prazo, a tarifa do pedágio deve diminuir. Na prática, é o efeito dominó da deflação que joga para baixo as prestações de contratos e as tarifas, que são reajustadas pelos Índices Gerais de Preços (IGPs), apurados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Desde maio, o IGP-M, por exemplo, que é o indexador de cerca de 80% dos contratos de aluguéis e é um dos parâmetros usados para reajustar tarifas de energia elétrica e prestações de imóveis de várias construtoras, acumula deflação de 1,64%.

Neste ano até agosto esse indicador subiu apenas 0,75% e agora deve fechar 2005 com alta de 2,3%. Até junho, a expectativa do mercado captada pelo Banco Central era de que o IGP-M subisse 6% este ano. Em 2004, a alta acumulada foi de 12,4%.

Foi exatamente a queda no valor da prestação da casa própria a partir de junho deste ano que surpreendeu o microempresário Marcos José Maciel, de 35 anos, distribuidor de frutas e dono de uma escola na capital paulista. Ele comprou em 2003 um apartamento de 3 dormitórios,em Pirituba, Zona Oeste, avaliado em R$ 100 mil. Financiou uma parte com o banco e R$ 30 mil com a construtora, em 32 prestações. Já pagou 15 mensalidades.

"Desde de dezembro de 2003, quando comecei a pagar a parcela da construtora, as prestações só subiam a cada mês", observa. A primeira prestação, quitada em dezembro de 2003, era de R$ 896,56. De lá para cá, o valor da mensalidade aumentou praticamente todos os meses até junho deste ano, quando ele teve a boa surpresa: pela primeira vez a prestação caiu. A primeira deflação do IGP-M, que é o indexador do contrato, ocorreu no mês anterior, em maio.

Maciel diz que o recuo foi pequeno. De maio para junho, a prestação caiu 0,22%, em julho a retração atingiu 0,44%; em agosto, 0,34% e agora ele deve pagar uma prestação de R$ 1.065,51 que é 0,39% menor que a do mês anterior. "Todo mês baixa alguma coisa", observa o microempresário. De fato, a queda ainda é mínima e não tem impacto no orçamento. Mas a estabilidade é um bom sinal.

Interessado em aumentar o patrimônio familiar, o engenheiro eletrônico Eduardo Ferreira de Oliveira, de 44 anos, casado e pai de 3 filhos, comprou um terreno em março, cujas prestações são indexadas à variação do IGP-M, e se deu bem. Ele conta que avaliou o comportamento dos índices e decidiu que só compraria um imóvel reajustado pelo IGP. Isso porque mais da metade desse indicador (60%) é formada por preços no atacado, que têm forte influência do câmbio. Como o dólar vem de uma trajetória de queda que deve continuar, a perspectiva do IGP é de deflação e por isso, a prestação não deverá surpreender.

Parte do terreno localizado em Vargem Grande Paulista (SP), no valor de R$ 130 mil, será financiado em 82 prestações de R$ 800. "Com a deflação dos últimos meses, a mensalidade ficou praticamente estável. Isso é importante, dá condições para fazer um planejamento", diz o engenheiro.

Enquanto a deflação dos índices beneficia os consumidores que têm contratos reajustados por esses indicadores, ela começa a tirar o sono dos empresários. A Via Empreendimentos Imobiliários, especializada em erguer imóveis residenciais, está preocupada com a deflação.

Segundo o superintendente da companhia em São Paulo, Luiz Fernando Ribeiro, a empresa teve uma perda de R$ 16 mil no mês por causa da deflação do IGP-M, que reajusta os contratos dos imóveis prontos que foram entregues, mas ainda não foram quitados.

Ele conta que a a empresa tem em São Paulo uma carteira de R$ 12 milhões em imóveis. Desse total, R$ 11 milhões são imóveis em construção, cujo contrato é reajustado pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC). Cerca de R$ 1 milhão são imóveis prontos, entregues e cujas prestações são reajustadas pelo IGP-M.

"Estamos pensando em mudar o indexador dos contratos para os imóveis prontos, cujos contratos são atrelados ao IGP-M, por causa da deflação", diz o executivo. Ele observa que, por enquanto, a tentativa será de atenuar as perdas, aumentando os preços dos imóveis que ainda não foram vendidos.

Ribeiro acrescenta que não há muito para onde correr com a substituição do indexador. Isso porque até o CUB, que é o custo básico da construção civil, que seria uma alternativa, registrou no mês passado a primeira deflação desde 1999.

Já no caso dos aluguéis, a deflação provocou uma situação inusitada. Como o IGP explodiu no ano passado, o dono de imóvel deixou de reajustar contrato para não perder o inquilino.

Agora com a deflação, a tendência é voltar a aplicar esse indexador na hora do reajuste.