Título: 'Se fosse outro, estaria abaixo de zero', reage Lula
Autor: Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2005, Nacional, p. A5

Em sua primeira entrevista coletiva desde o início da crise política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem ser capaz de resistir ao desgaste apontado pelas pesquisas de opinião, que apontam queda nos índices de popularidade e credibilidade dele e de seu governo. "Se não fosse eu e fosse outro presidente que estivesse vivendo estas circunstâncias, possivelmente estivesse abaixo de zero", afirmou, num desafio a adversários. "Acho que minha relação com a sociedade brasileira é muito forte, a sociedade é muito companheira." Lula foi informado por assessores, no hotel onde estava hospedado na capital guatemalteca, a respeito da última pesquisa CNT/Sensus, divulgada ontem em Brasília. Além da queda de popularidade e credibilidade, o levantamento apontou, por exemplo, que 38,9% dos entrevistados não acreditam nos discursos do presidente. Na visita oficial de dois dias à Guatemala, foram cinco pronunciamentos em menos de 24 horas, todos sobre temas da política externa.

Na entrevista de 5 minutos e 25 segundos, o presidente Lula disse que qualquer brasileiro que seja acusado de cometer irregularidades, seja ele o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), ou o ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf, ou qualquer um, deve ser investigado e, se for comprovada sua culpa, punido. "Isso vale para o mais humilde e para o presidente da República", disse. "Todos estamos subordinados à mesma lei."

Foi na noite de segunda-feira, depois de um jantar com o presidente guatemalteco, Óscar Berger, e com a prêmio Nobel da Paz de 1992, Rigoberta Menchú, que Lula prometeu, em tom de brincadeira, conceder a entrevista coletiva aos jornalistas que o acompanharam na viagem oficial.

"Só se o André deixar", disse, referindo-se ao porta-voz da Presidência da República, André Singer. "Ele deixa, presidente", responderam os repórteres. Singer, sorriu e retrucou: "Vai rolar". O presidente falou em pé com a imprensa, por volta de 13 horas (16 horas em Brasília), no hall de entrada do Hotel Camino Real, ao se dirigir para o carro que o levaria para o aeroporto. De lá, ele seguiu para Nova York.

Como o senhor analisa a pesquisa da CNT/Sensus que indicou queda na avaliação positiva do seu governo e que o índice de credibilidade de seus discursos é de cerca de um terço?

Primeiro, tenho por hábito não reagir a pesquisas, nem se eu tivesse 100% ou 0%, porque as pesquisas retratam a situação política que vive o País. Estou muito tranqüilo e fico de vez em quando me perguntando se não fosse eu e fosse outro presidente que estivesse vivendo estas circunstâncias, possivelmente estivesse abaixo de zero. Estou tranqüilo porque as pesquisas não refletem o que você pode fazer no governo. Nós estamos tranqüilos que o governo está fazendo o que é preciso fazer. Sairemos muito fortalecidos. Isso não me preocupa.

O seu carisma pessoal contribui para isso?

Não sei. Acho que minha relação com a sociedade brasileira é muito forte, ela é muito companheira. Muitos adversários pensaram em algum momento que as críticas que fazem ao governo poderiam levar o governo a estar como outros já estiveram, com pontos negativos. Hoje estou tranqüilo porque essa crise política está se resolvendo. O Congresso está tendo maturidade para fazer o que tem de ser feito. A parte do governo, a Polícia Federal está fazendo, depois será o Ministério Público e a Justiça. Não tenho dúvida nenhuma de que em momentos mais difíceis o Congresso soube consolidar o processo democrático.

Qual é a importância da eleição interna do PT que está marcada para o próximo domingo e vai eleger sua nova direção?

Toda e qualquer eleição é sempre importante porque dela sai um resultado. Qualquer que seja o resultado de um processo democrático interno do PT, ele será importante para o fortalecimento do partido e para a recuperação do prestígio do partido. Essa eleição vai se dar e espero que ela tenha quórum para que possa ter um bom resultado.

O PT vai mudar depois de sua eleição interna?

Não sei se vai mudar muito. Temos duas eleições diretas. O partido passa por um momento difícil. É o momento de os militantes dizerem que partido querem. É um momento extraordinário para o partido fazer sua eleição. Eu particularmente gostaria que não tivesse, que esperasse um momento para fazer isso com mais tranqüilidade. Mas já que a direção do partido manteve a data, eu acho que tem de fazer a eleição e espero que os militantes compareçam para votar.

O senhor considera que a prisão do ex-prefeito Paulo Maluf na sexta-feira é um marco do trabalho da Polícia Federal?

Não é a prisão do Maluf. Acho que todos que forem comprovadamente pegos cometendo irregularidades têm que ser julgados em igualdade de condições, ou seja, Paulo Maluf está preso, obviamente não se sabe quanto tempo ele vai ficar preso. A Polícia Federal está fazendo o seu trabalho, como fará o trabalho em outros casos em que encontrar irregularidades. O Brasil tem que ser justo para todos os brasileiros. Você não pode mais conviver num país em que uma minoria tem todo o privilégio e uma grande maioria não tem nenhum direito, praticamente. Acho que não é o Maluf o primeiro e não será o Maluf o último. Todos que tiverem alguma dívida com a sociedade terão que ser investigados e terão que ser punidos. Isso vale para todos os brasileiros, isso vale para o mais humilde dos brasileiros e vale para o presidente da República. Afinal de contas, a Constituição diz que a lei é igual para todos. Sendo assim, todos estamos subordinados à mesma lei.

Como o senhor avalia a situação do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), com as denúncias contra ele?

O que vale para os outros deputados vale para o presidente Severino. Há uma denúncia. Ele diz que a denúncia é falsa. Agora, cabe ao Congresso Nacional, com muita maturidade, investigar e depois de investigar tomar uma decisão.

Do ponto de vista político Severino já está derrotado?

Não posso analisá-lo politicamente, meu filho. A única coisa que posso analisar é em cima de fatos. O fato diz o quê? Que tem uma acusação contra Severino e ele diz que é mentirosa a acusação. O Congresso tem instrumento para fiscalizar e investigar.

Presidente, só mais uma pergunta... (Lula demonstra que vai se retirar). Como o senhor avalia a denúncia de que o PT usou recursos do Fundo Partidário para pagar passagens aéreas de parentes do senhor?

Eu até fiquei surpreso com a notícia. Agora, eu estranharia se fosse o PSDB ou o PFL que tivessem pago a minha passagem. Mas o PT tinha mais era obrigação de pagar a minha passagem.

Presidente, o senhor poderia dizer quem o traiu?

(Lula se retira. O repórter volta a fazer a mesma pergunta, mas o presidente Lula não a responde).