Título: Discurso será nitroglicerina pura, diz filha de deputado
Autor: Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2005, Nacional, p. A7

O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) promete "nitroglicerina pura" no discurso que fará hoje na tribuna da Câmara, na abertura da sessão que vai definir seu futuro político. À beira da cassação, o homem que denunciou o esquema do mensalão não deve poupar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Ele vai bater muito, com muita vontade no governo", afirma a filha do presidente licenciado do PTB, Cristiane Brasil.

Aos 30 anos, a primogênita - vereadora em seu primeiro mandato no Rio - tem o estilo muito parecido com o do pai. Articulada, avisa: "Meu pai, com o microfone na mão, é um perigo." Ao Estado, em entrevista concedida na tarde de ontem na sede do PTB, em Brasília, Cristiane afirma que o governo do PT "é o governo do ódio" e, se cassado, Roberto Jefferson será vítima da vingança do Palácio do Planalto.

Para a filha do autor das denúncias do mensalão, que provocaram a maior crise da administração Lula - com mais de 100 dias -, o governo do PT acabou. "O governo é dos mortos-vivos. Eles já morreram e estão fedendo." A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual vai ser o tom do discurso do deputado Roberto Jefferson?

Não posso dizer que vai ser agüinha com açúcar e que ele vai falar apenas que o mundo é florido e o céu é azul. Meu pai está muito decepcionado com essa situação política toda. Está muito impressionado com o tamanho do esquema de corrupção montado pelo governo. Eu acho que ele vai bater muito, com vontade no governo. Vai ser nitroglicerina pura.

Que tipo de revelações podemos esperar de Jefferson no discurso na tribuna da Câmara? Novas denúncias, bombas, críticas, o quê?

Tudo. Não bombas, não denúncias. Ele não precisa soltar bombas para fazer com que a ira governamental se acenda com força total, mais ainda, contra ele. Ele vai apontar caminhos, já apontados e que ainda não foram investigados, como os fundos de pensão.

A senhora acredita que cassação dele é inevitável? Ou há alguma esperança, já que o voto é secreto?

Exatamente. Pelo voto ser secreto, as pessoas vão poder votar por convicção e eu acredito que, ao contrário até do que às vezes vêm sendo divulgado, meu pai tenha feito uma história de defesa do Legislativo, dos amigos parlamentares, dos deputados. Meu pai é conhecido, reconhecido e lembrado, das histórias que eu já ouvi contarem dele, pelos atos de bravura, de defesa dos parlamentares que estavam sendo execrados por outros colegas. Sempre que tinha alguém que tinha de ser defendido o meu pai era chamado. Então, eu acho que as pessoas que têm noção e lembram da história dele vão votar pela não cassação dele, pela manutenção do mandato. Não sou a favor de cassação política. Eu acho que o povo coloca e é o povo que tem de tirar.

A senhora diz ser contra a cassação de mandato pela Câmara. Isso vale só para o caso do seu pai ou para todos os demais deputados acusados nas denúncias de corrupção e de receber o mensalão? Até para o ex-ministro José Dirceu?

Até em relação a José Dirceu. Ele já foi desmascarado. Ele vai ter o castigo dele nas urnas.

Existe um temor da família e do próprio deputado Roberto Jefferson de que ao final das investigações apenas ele venha a ser cassado?

Já começa pelo fato de ele ser o primeiro. A gente já acha absurdo que ele esteja passando por isso. Pela própria figura que o colocou lá dentro para sofrer esse processo, o Valdemar Costa Neto (presidente do PL e primeiro deputado a renunciar ao mandato desde a crise). Fez a representação e renunciou. Então, há sim essa preocupação.

O deputado Roberto Jefferson tem conhecimento da suposta propina que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), teria cobrado do empresário Sebastião Buani para prorrogar a concessão de seu restaurante na Câmara? Ou de que Severino recebia mensalão?

Não, não. Meu pai não está preocupado com os parlamentares. Denúncias sobre os parlamentares não são a tônica da vida do meu pai. Meu pai não participou disso. Não sabe dessas coisas. Não é por aí. O que meu pai presenciou, viu, ele falou. Ele falou o que sabia em relação ao esquema de corrupção que foi montado pelo governo para comprar o voto dos parlamentares em detrimento da discussão ideológica. É a forma do PT de governar.

Então, a senhora acha que a cassação no plenário é pose para a sociedade? Não tem uma razão de ser?

Tem uma razão fortíssima de ser. A vingança, o ódio porque esse governo é o governo dos ódios. O ódio que sentem de terem sido denunciados.

O presidente Lula está ou não envolvido no esquema do mensalão?

Obviamente que sim, na minha opinião. É claro e cristalino como água. Só não vê quem não quer. Esse homem viveu como um profissional dentro do partido a vida inteira. Viveu como presidente do PT a vida inteira. Ele é o líder do Campo Majoritário. Como ele não sabe? Para mim, sabe sim.

Se o presidente Lula sabia de tudo, por que razão seu pai o isenta quando fala do assunto?

Como falar mal de um homem com a popularidade que ele tinha naquele momento? Meu pai não precisava ir contra o presidente Lula naquele momento. Quem vai cassar o Lula é o povo. Meu pai é contra a cassação política, é contra o impeachment. O Lula nunca mais volta. A verdade aparece sozinha. Você pode tentar colocar embaixo do tapete, mas ela vai aparecer. Está aparecendo. Já estamos próximos até de um desfecho possível como esse.

Mas a popularidade do presidente está em queda. Ainda há tempo. Por que, então, amanhã (hoje) não falar do envolvimento do Lula?

Agora, neste momento, o presidente é questão de tempo. O governo é o dos mortos-vivos. Eles já morreram e estão fedendo. Acabou. O governo acabou. Falta muito pouco para aparecer o que já sabem.