Título: Na ONU, frustração à espera de Lula
Autor: Paulo Sotero, Vera Rosa e Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2005, Nacional, p. A13

O governo brasileiro sofreu derrota na Organização das Nações Unidas (ONU) e não conseguiu aprovar suas principais propostas na Declaração Final da 60.ª Assembléia-Geral, que será aberta hoje com a Cúpula do Milênio. Prioridade da política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e peça central da ambiciosa proposta de reforma apresentada pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a ampliação do Conselho de Segurança sobreviveu no texto da esvaziada declaração aprovada ontem apenas como um longínquo objetivo. Não foi só: por falta de acordo, o capítulo sobre desarmamento desapareceu do documento. Desgastado pela crise política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou à noite em Nova York trazendo na bagagem propostas de combate à fome e a pobreza, que receberam apenas uma menção no texto da declaração final. Lula participará hoje e amanhã da Cúpula do Milênio, encontro que reunirá cerca de 170 chefes de Estado. A cúpula foi idealizada para reafirmar as Metas do Milênio e desencadear profunda reforma das Nações Unidas, mas, na prática, promete frustrar expectativas do governo brasileiro de ressuscitar a agenda positiva.

Com 35 páginas e 178 parágrafos, o documento das Nações Unidas somente cita a necessidade da reforma do Conselho de Segurança o mais "cedo" possível, mas não estipula prazos. Bloqueada pela China, pelos Estados Unidos e mesmo por países em desenvolvimento como Paquistão, Egito, Argélia, México e Argentina, a ampliação do Conselho de Segurança não entrará na pauta da Assembléia-Geral e permanecerá apenas como tema de uma difícil negociação. A derrota também é debitada na conta de Annan.

"Lamentamos que não se pudesse chegar a um consenso, mas, a despeito dessa frustração, elogiamos o esforço feito", afirmou o sub-secretário de Assuntos Políticos do Itamaraty, embaixador Antonio Patriota. "Não chega a ser algo que desejávamos, mas há o sentimento de que não se perdeu nada de essencial", amenizou. Diante do impasse, Brasil, Alemanha, Índia e Japão - que formam o Grupo dos 4 (G-4) e trabalharam juntos pela ampliação do número de cadeiras permanentes no Conselho - optaram por manter uma linha de "perfil baixo"na redação do texto. Traduzindo: não criar conflitos.

Resultado de um compromisso proposto na última hora pelo presidente da Assembléia-Geral da ONU, Jean Ping, para evitar o fracasso do encontro, o documento também deixou de lado questões importantes como o desarmamento e não-proliferação de armas e o Tribunal Penal Internacional (TPI). Nos dois temas, revelaram-se insuperáveis as diferenças entre os EUA, que se opõem ao TPI e dão mais peso à não proliferação do que ao desarmamento, e a maioria dos demais países.

Em tópicos centrais para um encontro dedicado a reafirmar o compromisso das nações com o combate à pobreza - como a da ajuda oficial ao desenvolvimento -, a declaração limita-se a repetir a linguagem de acordos adotados nas várias reuniões temáticas de cúpula realizadas pela ONU desde os anos 90, sem indicar como as nações ricas honrarão promessas. O texto faz uma referência à Ação contra a Fome e a Pobreza, uma iniciativa do Brasil que ganhou respaldo da França, Chile, Espanha, Alemanha e Argélia. Os seis países, aliás, apresentarão hoje documento conjunto em separado, intitulado "Declaração de Nova York", no qual recomendarão uma série de propostas para financiar estratégias de combate à fome e à miséria.

Os países em desenvolvimento rejeitaram a proposta norte-americana de reforma da administração das Nações Unidas, apoiada pela Europa e outras nações avançadas, que consistia em dar maior poder ao secretário-geral da ONU, em prejuízo da Assembléia, na qual eles controlam a maioria dos votos. A declaração aprovada limita-se a pedir ao presidente da Assembléia-Geral que leve adiante a discussão do tema. Mesmo assim, Patriota disse que o Brasil considera o texto satisfatório, "tendo em vista as dificuldades para se chegar a acordo diante das controvérsias".

Lula fará três discursos na ONU, mas não abrirá os debates do próximo sábado - tarefa que caberá ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O governo nega que a troca tenha relação com a crise. "O fato de o País passar por um momento difícil não atrapalha ou afeta a participação do presidente Lula na ONU, até porque são problemas internos", afirmou Patriota.

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DISPARO: O presidente Néstor Kirchner aproveitará hoje a tribuna da Assembléia-Geral da ONU para disparar uma saraivada de críticas contra a proposta do Grupo dos 4 de aumentar o número de cadeiras permanentes no Conselho de Segurança (CS) do organismo. A oposição argentina a essa proposta não é novidade. Mas será a primeira vez que um presidente argentino utilizará a reunião da ONU para atacar a posição de seu principal sócio comercial, político e militar.

O documento base do discurso de Kirchner foi divulgado ontem pelo jornal Ámbito Financiero. Segundo o texto, "a Argentina manterá seu alerta diante de intenção de Estados aspirantes a membros permanentes de utilizar a cúpula de setembro para aprovar resolução ou texto da Declaração final que seja favorável a seus interesses e, portanto, contrário ao interesse nacional".