Título: O casal brasileiro que detectou a explosão de 13 bilhões de anos
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2005, Vida&, p. A18

A detecção da explosão estelar mais antiga do Universo, ocorrida 13 bilhões de anos atrás, foi protagonizada por um casal de astrônomos brasileiros do Observatório Austral para a Pesquisa em Astronomia (Soar) - telescópio operado em parceria pelo Brasil e pelos EUA nos Andes chilenos. Mas nenhum dos dois estava na base do telescópio. Nem mesmo olhava para o céu durante esse momento histórico para a ciência. Na noite do dia 4 de setembro, um domingo, Eduardo Cypriano, de 34 anos, e Elysandra Figuerêdo, de 32, estavam na cidade de La Serena, a 96 quilômetros do topo do Monte Pachón, onde foi erguido o telescópio Soar. Ele fazia plantão no escritório do consórcio Brasil/EUA. Ela estava de folga em casa, preparando-se para dormir.

Na astronomia, praticamente todo o trabalho é feito a distância. Naquela noite inicialmente tranqüila, Cypriano foi acionado - no computador, por videoconferência - pela equipe de astronomia da Universidade da Carolina do Norte (um dos parceiros americanos do Brasil no telescópio) com a mensagem de que um satélite da Nasa havia recebido sinais de algo que poderia ser uma explosão no Universo. Cypriano, por sua vez, acionou - também por videoconferência - os técnicos chilenos que comandam o Soar.

Enquanto observava os funcionários girando o telescópio para a direção indicada, o astrônomo brasileiro entrou em contato - agora por telefone - com a mulher. Na equipe, Elysandra é a responsável pelo aparelho que "limpa" as fotografias que o telescópio tira do Universo. Por telefone, ela deu as instruções para que o marido captasse, sem interferências, as imagens da explosão que levou 13 bilhões de anos para ser vista da Terra.

"Naquele momento, eu coletava imagens para um dos projetos que recebemos do mundo inteiro. Tive de parar tudo. Foi o primeiro caso na história do Soar de interrupção de um trabalho para observar um 'alvo de oportunidade'. Tinha de ser naquela hora", lembra Cypriano.

"Fiquei apreensiva quando ele me telefonou. Eu só não corri para o escritório porque não havia como. O carro estava com ele", acrescenta Elysandra.

Quando as informações do satélite da Nasa chegaram à Terra, vários observatórios foram alertados, mas o Soar foi o que primeiro conseguiu identificar os raios da explosão da estrela.

CRUZEIRO DO SUL

O interesse de Cypriano pela astronomia começou aos 14 anos, quando ganhou um atlas do Universo. Foi então que aprendeu a olhar para o céu de São Paulo e a identificar a constelação do Cruzeiro do Sul. "Eu morava perto do Morumbi. Vivia torcendo para que não houvesse jogo no estádio e as luzes não fossem acesas para que eu conseguisse enxergar as estrelas", lembra ele.

Elysandra diz que o interesse pelo céu foi despertado pelos bons professores de ciências que ela teve na escola. "Pública", frisa ela, que cresceu em São Vicente, litoral paulista. "Tive uma infância muito humilde. O telescópio era o meu olho", ri.

Formados em Física, eles se conheceram numa pós-graduação em Astronomia na Universidade de São Paulo (USP). Casaram-se há seis anos.

Por coincidência, Cypriano e Elysandra foram mandados para o Chile na mesma época, no início do ano passado. Ele havia sido selecionado por um concurso do Laboratório Nacional de Astrofísica, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para ser o primeiro astrônomo residente do Soar. Elysandra viajou para os Andes para fazer uma pesquisa num observatório vizinho do Soar. Pouco depois, acabou sendo contratada para atuar no projeto brasileiro.

Até dezembro, mês do regresso para o Brasil, eles continuarão morando em La Serena, uma cidade litorânea onde vivem 110 mil chilenos. Como o trabalho é basicamente a distância, o casal só precisa subir os 2.700 metros do Monte Pachón para visitar o telescópio uma vez a cada três meses.

Cypriano explica a importância de se detectar uma explosão tão antiga: "Estamos tendo acesso às primeiras gerações de estrelas do Universo, que são diferentes das atuais. Agora vamos ter informações de como era a estrutura física e química de estrelas que não existem mais". Ele crê que a estrela que explodiu há 13 bilhões de anos era 30 vezes maior que o Sol.

Para Elysandra, a detecção da explosão é particularmente importante para o Brasil: "Mostra que nosso País tem capacidade para produzir excelentes astrônomos".