Título: Agenda mínima continua travada
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2005, Economia & Negócio, p. B3

Mesmo sem ter contaminado a atividade econômica, pelo menos até agora, a crise política aumenta o risco de atrasar em quase dois anos o andamento de projetos que dependam da ação governamental e do Congresso. Analistas alertam que medidas consideradas essenciais para manter o ritmo de crescimento econômico poderão ficar engavetadas até que o futuro governo, a ser empossado no dia 1.º de janeiro de 2007, consolide sua base de apoio no Congresso - quer esse governo venha a ser conduzido por Luiz Inácio Lula da Silva ou por um opositor.

'O Brasil tem uma agenda de urgência, que não pode ficar parada por conta da crise, sob pena de a sociedade pagar um custo muito alto', declarou o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE). 'Hoje, não há perspectiva nenhuma de avanço na agenda econômica, ainda mais pelo fato de 2006 ser um ano eleitoral.

Por isso, temos de cobrar ação do governo. A economia só está crescendo em setores localizados, aos solavancos', alertou o diretorexecutivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Julio Sérgio Gomes de Almeida.

O economista Flávio Castelo Branco, coordenador da Unidade de Política Econômica da CNI, ressaltou que a crise política, se não corroeu as bases da política econômica, desorganizou a capacidade da equipe econômica de 'olhar o futuro e tomar decisões'. O atual cenário não deve interferir nas expectativas de crescimento de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano - porcentual abaixo da média prevista para as economias emergentes (exceto a China).

A atividade econômica tampouco sofrerá uma 'hecatombe' em 2006. Mas, insistiu Castelo Branco, a perspectiva de adiamento da execução da agenda econômica deverá afetar as decisões de investimentos e aprofundar os gargalos de infra-estrutura. Conseqüentemente, pode reduzir o ritmo da atividade em pleno ano eleitoral.

PRIORIDADES

No último dia 5 de agosto, cinco entidades empresariais entregaram ao presidente Lula 18 propostas consideradas essenciais para a continuidade do ritmo de crescimento econômico do País - a chamada agenda mínima, que contempla as áreas de infra-estrutura, tributação, ambiente regulatório, reforma do Estado e gestão, inovação e sistema político. O mesmo gesto foi repetido com os presidentes da Câmara, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE); do Senado, Renan Calheiros (PMDBAL); do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim; e dos dois principais partidos de oposição, Jorge Bornhausen (PFLSC) e Eduardo Azeredo (PSDBMG).

A agenda mínima foi o resultado de uma reflexão sobre a real possibilidade de aprovação de cada medida ante a turbulência política atual. Seguindo tal lógica, ficaram de fora iniciativas mais difíceis de concretizar, embora consideradas essenciais para a atração de investimentos e o aumento da competitividade, como as reformas trabalhista e sindical. 'O que nos motivou foi o temor de paralisia do governo', resumiu Monteiro Neto.

Até agora, porém, a agenda mínima avançou muito pouco. A tramitação na Câmara dos Deputados de uma das principais iniciativas na área tributária, a Medida Provisória 252 ou 'MP do Bem', deixou claro o grau de desarticulação do governo no Congresso e a fragilidade da bancada aliada e de seus líderes.

Na noite de 23 de agosto, foi aprovado o texto básico do relator, deputado Custódio Mattos (PSDB-MG), que acabou na última hora incorporando o reajuste do teto de faturamento para a adesão de micro e pequenas empresas ao Simples, o sistema unificado de recolhimento de tributos e iniciativas na área da inovação.

SOB RISCO

Mas as votações dos destaques (emendas dos parlamentares) se arrastam, por causa da dispersão da bancada aliada e do risco de derrota do governo na votação de propostas que aumentariam substancialmente a renúncia fiscal da União. A expectativa é que, nesta semana, a votação seja concluída para que o projeto possa seguir para o Senado.

Dentre as 18 medidas da agenda mínima, outras duas tiveram bom começo. A definição do Banco do Brasil como gestor do Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas (PPPs), no final de agosto, que concluiu o processo de regulamentação. Falta o lançamento dos editais pelo Comitê Gestor, que ainda espera a apresentação dos projetos mais maduros - a Ferrovia Norte-Sul e parte da BR 116.

Monteiro Neto espera que saiam ainda neste ano. A segunda foi o envio à Câmara, pelo governo, do projeto de lei que altera o modelo de defesa econômica, com a criação do chamado Super-Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que pode vir a ser aprovado na Câmara, dependendo do impacto das tensões das CPIs sobre o plenário, acredita o presidente da CNI.

Mas ainda restam as outras 15 iniciativas. O novo marco para as agências reguladoras e o projeto de Lei de Saneamento - ambos cruciais para as decisões de investimento em setores de infra-estrutura - estão congelados na Câmara, sem perspectivas de aprovação neste ano. O mesmo ocorre com a reforma tributária, que ainda corre o risco de sair 'pior do que a encomenda', alerta Gomes de Almeida.

A criação de um marco regulatório exclusivo para o setor do gás natural ainda não foi maturada na origem, o Ministério de Minas e Energia. A mudança na lógica da concessão de licenças ambientais, sobretudo para projetos de infra-estrutura, é outra das medidas da agenda mínima que ainda não foi contemplada pelo Executivo.