Título: Presídios estão virando fábricas
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2005, Economia & Negócios, p. B5

Cresce o número de empresas no Estado de São Paulo que instalam linhas de produção dentro de presídios. Elas unem o que consideram ação de responsabilidade social à oportunidade de usar mão-de-obra barata. No Estado, há hoje cerca de 8 mil detentos trabalhando para empresas privadas.

O movimento já preocupa o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. A entidade pretende incluir na campanha salarial deste ano cláusula limitando a contratação de presos a no máximo 10% do quadro de funcionários das companhias.

Em São Paulo, há outros 34 mil detentos que prestam serviços para a Fundação de Amparo ao Preso (Funap), órgão do governo do Estado vinculado à Secretaria de Administração Penitenciária.

A fundação mantém oficinas de confecção de uniformes para os próprios presos, móveis de escritório e escolares. O total de ocupados atualmente é 33% superior ao de cinco anos atrás. Ainda assim, a exemplo do que ocorre fora das prisões, a criação de empregos não acompanha o crescimento da população carcerária, hoje de 137,5 mil pessoas, 2,5 vezes maior que em 2000.

A Funap, que também coordena as parcerias com as empresas para a produção dentro dos presídios, criou em março uma diretoria comercial para ampliar a oferta de mão-deobra para a iniciativa privada. 'Nossa intenção é contribuir para que o detento, ao cumprir sua pena, tenha condições de viabilizar uma vida profissional para não voltar a cometer crimes', diz o diretor da Funap, Marcio Martinelli.

ECONOMIA

Uma das empresas que aderiu ao programa há quatro meses é a Bognar Metais, de Ferraz de Vasconcelos, na grande São Paulo. A metalúrgica, fabricante de metais sanitários, montou uma unidade de usinagem de peças fundidas no Presídio Adriano Marrey, em Guarulhos, e emprega 37 detentos.

Eles trabalham de seis a oito horas diárias e recebem um salário mínimo (R$ 300) por mês, com um desconto de 25% destinado aos salários dos presos que prestam serviços para o próprio presídio. Para cada três dias de trabalho, há redução de um dia na pena. Na fábrica, a empresa tem 220 funcionários diretos e o piso salarial mínimo é de R$ 580.

Segundo José Aparecido da Silva, diretor de produção da Bognar, a concorrência acirrada do mercado levou a empresa a buscar alternativas para produzir com custo mais baixo. Além do salário menor, não há registro em carteira nem impostos sobre os salários e as instalações são do próprio presídio.

Robson Pereira da Silva, de 27 anos, preso há um ano e oito meses, faz a fundição de parafusos usados em registros de chuveiros. Os quase R$ 300 que recebe vão direto para a esposa e as duas filhas, de 2 e 6 anos, moradoras de Mato Grosso. 'Trabalhar é muito bom, pois, além do salário, é uma forma de manter a mente ocupada e não ficar à toa', afirma Robson, condenado a 14 anos de prisão por tráfico de drogas.

A Bognar diz que não reduziu seu quadro direto. 'Nesses quatro meses, contratamos mais 18 pessoas porque nossa atividade aumentou', informa José Aparecido. Com a economia proporcionada pela linha montada na prisão, a metalúrgica conseguiu investir em seis novos produtos, que serão lançados no início do ano.

José Aparecido estuda a instalação de outra linha no presídio, de fundição de peças, que deve empregar mais 30 detentos e também gerar novas vagas na fábrica. O investimento para a instalação de equipamentos e de um forno giram em torno de R$ 100 mil, quase o mesmo valor gasto na linha atual.

ABUSO

O vice-presidente da Federação dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, Francisco Sales Gabriel Fernandes, diz que empresas do interior do Estado se aproveitam da mão-de-obra barata e transferem parte da produção para os presídios, cortando empregos formais.

A entidade, ligada à Força Sindical, faz um estudo da situação e vai pedir audiência ao governador Geraldo Alckmin para discutir o assunto. 'Não queremos que as atividades sejam suspensas, mas regulamentadas', explica o sindicalista. Ele sugere uma cota máxima de 10% do quadro formal para vagas de detentos, salários iguais e o compromisso das empresas em contratar egressos (ex-presidiários). O tema pode também entrar na pauta do dissídio coletivo dos metalúrgicos de São Paulo, que começa a ser negociado com os empresários no dia 20.

A Federação representa cerca de 700 mil metalúrgicos, mas a contratação de detentos tem sido apontada como problemática em cidades de pequeno porte, onde a categoria é formada por, no máximo, 5 mil trabalhadores.

Segundo Fernandes, a entidade já constatou excesso de uso de mão-de-obra presidiária em Bragança Paulista, Ferraz de Vasconcelos, Jaú, Marília, Mococa, Mirassol, Osasco, Ribeirão Preto, Presidente Prudente e São José dos Rio Preto ou em cidades vizinhas.

Ele cita o caso da Caiuru, fabricante de peças para bicicletas que, segundo ele, ocuparia 150 presos da detenção de Casa Branca, próxima a Mococa, enquanto a fábrica emprega 250 funcionários.

Procurada duas vezes na sexta-feira, uma funcionária da Caiuru informou não ter localizado o responsável pela área de Recursos Humanos para comentar o assunto.

POLÊMICO

O assunto é muito polêmico, principalmente na Região Metropolitana de São Paulo, onde o índice de desemprego atinge 17,5% da População Economicamente Ativa, segundo dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese).

Há alguns anos, uma ação movida pelo Ministério Público do Trabalho da região de Campinas pedia a suspensão de atividades da empresa Amplimatic em um presídio na cidade de São José dos Campos. Segundo a ação, a empresa estaria utilizando dois terços de sua mãode-obra com detentos. O procurador do Estado, na ocasião, deu parecer contrário à ação do Ministério, informa o departamento jurídico da Federação dos Metalúrgicos.

De acordo com Martinelli, da Funap, a Lei de Execuções Penais, que prevê o trabalho de presos, não estabelece limite para contratações por parte das empresas.