Título: PT usou Fundo Partidário para pagar viagens da família de Lula
Autor: Diego Escosteguy e Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2005, Nacional, p. A4

Notas fiscais obtidas pelo Estado revelam que o PT pagou com dinheiro de sua conta do Fundo Partidário, que é financiado com recursos públicos, passagens aéreas para os filhos, as noras, um genro e uma neta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na virada de 2002 para 2003, período de transição governamental. Os documentos mostram que o partido também bancou passagens aéreas para a mulher e a filha de outro ilustre petista, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Segundo o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Torquato Jardim, o PT não poderia ter comprado passagens para familiares de Lula e Palocci, pois, pela legislação eleitoral, verba do Fundo Partidário tem de ser gasta com despesas de pessoal. 'Despesa de pessoal é pessoal empregado, funcionário do partido. Não entra em hipótese nenhuma cortesia. É totalmente irregular', explicou Torquato. As notas fiscais estão anexadas à prestação de contas de 2003 do Diretório Nacional do PT entregue ao TSE e requisitada pela CPI dos Correios. Até agora, os ministros do TSE não aprovaram essas contas. As faturas do PT mostram que quase todas as viagens ocorreram em dezembro de 2002 e tinham Brasília como origem ou destino. Elas começaram no dia 12.

Naquela data, embarcaram do Aeroporto de Congonhas para Brasília Marcos Cláudio Lula da Silva, filho do presidente, e sua mulher, Carla Adriane. As notas indicam que eles voltaram no mesmo dia. A passagem de ida de cada um saiu por R$ 443. A de volta, por R$ 839.

Luiz Cláudio, outro dos filhos de Lula, fez igual trajeto no mesmo dia, também acompanhado da namorada, Talita. No mesmo dia, Sandro, outro filho do presidente, partiu de Brasília rumo a São Paulo, ao lado da namorada, Marlene Araújo. No dia seguinte, fez caminho inverso. Três dias depois, foi a vez de Marlene voltar à capital federal. As notas fiscais não registram a primeira ida de Sandro a Brasília. No dia 23, uma semana depois, ele e a namorada voaram novamente para Brasília. A maioria dessas passagens custou R$ 848 por pessoa, em cada trecho voado.

Lurian Cordeiro, a filha mais velha de Lula, acumulou mais milhas. Ao lado do marido e da filha, saiu no dia 13 de dezembro de Florianópolis, fez escala em São Paulo e desembarcou em Brasília. Dez dias depois, foi a São Paulo e, no dia 30, às vésperas da posse do pai, voltou a Brasília. Só retornou a Florianópolis em 6 de janeiro de 2003. A filha e o marido voltaram antes, no dia 23 de dezembro. No caso da mulher e da filha de Palocci, as passagens foram de São Paulo para Ribeirão Preto, também dia 23. Os documentos registram ainda que a filha de Palocci se hospedou com o pai no Hotel Sofitel, no dia 20. O PT pagou R$ 367 pela diária.

Assinados pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares, cópias dos cheques do PT, que também estão na prestação de contas, mostram que todas as passagens foram pagas com recursos da conta 140808-9 no Banco do Brasil, a que recebe recursos do Fundo Partidário, segundo o TSE.

LEI

Torquato Jardim explicou que, no caso de suas contas serem rejeitadas pelo TSE, o PT pode perder o direito ao Fundo Partidário do ano seguinte. As regras para as legendas gastarem o que recebem do Fundo Partidário estão na Lei 9.096, de 1995. O artigo 44 estabelece que os recursos do fundo serão aplicados na manutenção de sedes e serviços do partido. Os especialistas que reprovam o uso do dinheiro para a compra de passagens para parentes afirmam que esse gasto não está previsto na legislação.

O presidente da ONG Transparência Brasil, Cláudio Abramo, acha que o PT deve dar explicações. 'Esse episódio pode não se comparar ao tamanho e aos milhões que envolvem a crise política, mas não deixa de indicar, no mínimo, um comportamento equivocado', critica. ?