Título: Do labirinto, o retorno
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2005, Nacional, p. A6

Líder da minoria na Câmara, o pefelista José Carlos Aleluia sexta-feira à tarde definiu numa frase a situação dos deputados, obrigados agora a consertar uma decisão anômala tomada há seis meses: 'Quando a gente entra num labirinto sem saída à vista, o melhor a fazer é voltar ao ponto de origem.' O petista José Eduardo Cardozo e o tucano Alberto Goldman ainda acrescentariam em coro: desta vez, tomando todo o cuidado para não repetir os equívocos do passado porque de um novo desastre não se salva ninguém. 'Está em jogo mais que a presidência, a própria legislatura e a instituição', considera Cardozo, cuja posição de governista é coincidente com a opinião dos colegas oposicionistas: os três acham que nenhuma corrente política tem força para impor posições na organização da substituição de Severino Cavalcanti.

Para eles, se prevalecer a dinâmica do embate partidário, afundam-se todos juntos. Desse modo, o ideal é que não haja disputa e, como diz Aleluia, 'se houver, que seja pelo menos organizada'. O líder do PSDB apresentou um candidato do partido à presidência da Câmara, o deputado Jutahy Magalhães, mas o gesto parece ter sido feito mais por honra da firma.

Prefere um acordo. Goldman achou ótimo quando ouviu do presidente interino do PT, Tarso Genro, que o partido não vai fincar pé na tese da proporcionalidade. Por ela, os petistas como bancada majoritária teriam a primazia na presidência. 'A situação é atípica, o PT não tem autoridade moral para impor o que quer que seja', diz Goldman, nitidamente mais bem disposto a aceitar uma candidatura petista de consenso depois que Genro deu a informação conciliadora.

Dada a fragilidade do PT na atual conjuntura, o tucano admite que a oposição até poderia forçar a mão e tentar impor uma derrota ao governo. Só não vê vantagem alguma nisso. 'Não adianta ganhar, e depois receber como prêmio uma terra arrasada', argumenta. José Carlos Aleluia é também permeável à solução negociada à luz da preliminar petista da ausência de vetos ou imposições.

Para ele, o mais importante é governo e oposição evitarem repetir os gestos erráticos e inconseqüentes do processo que produziu Severino num salve-se quem puder às avessas, sem sobreviventes. O petista José Eduardo Cardozo defende a idéia de que os governistas devem ser os primeiros interessados em ceder, até por instinto de sobrevivência. 'O litígio não é bom para ninguém, mas é muito pior para o governo, o fiador da estabilidade tão necessária ao País', diz. Os três também concordam em relação ao perfil do substituto ideal. Se oposicionista, não pode ser um adversário radical e sistemático; se governista, tampouco é aconselhável que carregue traços muito marcados dessa posição.

Ou seja, moderação é atributo primordial. Essencial, e até óbvia, a distância do escolhido de qualquer sinal de remota ligação com as denúncias em pauta. Fundamental que seja também um presidente da Câmara comprometido com a lisura das investigações e a garantia das punições. Outros atributos indispensáveis são a experiência, a previsibilidade de atitudes e a capacidade de fazer a Câmara funcionar sem a preocupação de criar conflitos, tensões ou pressões sobre o Poder Executivo.

Com Severino, cuja palavra de ordem na campanha era a 'afirmação da soberania' no Legislativo, o que se viu foi o uso da pauta de votações para o exercício da chantagem por obtenção de benefícios por parte do governo. A prática, diga-se, era compartilhada por companheiros de Severino à Mesa. Gente que hoje nem ousa defendêlo, a fim de não chamar atenção, rezando aos céus para atravessar a tempestade esquecidos, a salvo na santa paz de seus mandatos.

Os obstáculos

Essas posições racionalmente bem elaboradas e educadamente manifestadas podem dar a impressão de que está tudo resolvido na Câmara e que o bom senso, o juízo perfeito e a consciência cívica tomaram conta de suas excelências.

Não deixa de ser um pouco assim, mas não é tudo assim; há obstáculos, e grandes, a serem transpostos até conseguir a retomada da relativa normalidade na vida de um Parlamento virado de cabeça para baixo. O primeiro deles, Severino Cavalcanti em pessoa. Dada a sua imprevisibilidade, ele pode cismar de pedir apenas uma licença, forçando uma situação de revolta e pressão tais que instale o caos e a paralisia total dentro da Câmara. 'Se ele tentar sentar na cadeira da presidência, isso aqui vai virar uma Bósnia', antecipa Alberto Goldman.

O outro complicador pode ser a briga interna do PT que, se insistir em adotar os critérios da eleição de fevereiro, vai querer impor um nome invocando o critério da proporcionalidade, dando margem à reinstalação do ambiente de guerra de extermínio. O terceiro obstáculo seria a movimentação dos 'cassáveis', todos, obviamente, interessados na permanência de Severino. De Dirceu a Janene, seja da forma que for.