Título: Em NY, Lula tenta reviver agenda positiva
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2005, Nacional, p. A6

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai aproveitar a Cúpula do Milênio, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) nesta semana, para tentar desviar os holofotes da interminável crise política que abala o governo. Em Nova York, Lula fará de tudo para reverter o cenário turbulento e ressuscitar a agenda positiva. Quatro dias depois da polêmica passagem pela ONU do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE) - acusado de suborno e prestes a perder o mandato -, Lula chegará à cidade na noite de terça-feira pronto para falar de dois assuntos que cativam platéias internacionais: a erradicação da fome e a reforma da ONU. Pela primeira vez, desde que assumiu o mandato, em 2003, o presidente não vai abrir os debates da Assembléia Geral da ONU, em sua 60.ª edição, no sábado. A tarefa foi entregue ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, mas o governo nega que a troca tenha relação com a crise.

Até agora, estão previstos dois discursos de Lula na Cúpula do Milênio, ambos na quartafeira. Um deles será após a abertura do encontro convocado para avaliar os cinco anos das Metas do Milênio - carimbo que abriga os oito objetivos traçados pela ONU para redução da pobreza e melhoria da qualidade de vida no planeta até 2015. O outro, na reunião de cúpula do Conselho de Segurança da ONU, que se debruçará sobre dois projetos de resolução: o combate ao terrorismo e a situação da África. É a terceira vez que o Conselho se reúne com chefes de Estado, a primeira com Lula. Diante de homens engravatados dos cinco continentes, Lula falará de desenvolvimento com justiça social, cooperação efetiva entre os países e baterá na tecla da reforma da ONU, já que o Brasil reivindica assento permanente no Conselho de Segurança.

Críticas aos bilionários subsídios agrícolas dados pelos países ricos em detrimento das nações mais pobres marcarão as intervenções do presidente, que também vai conversar quinta-feira com empresários.

'Estamos empenhados na eliminação dos subsídios bilionários à exportação e na redução drástica do apoio interno à produção agrícola dos países desenvolvidos', disse Lula, recentemente, no Itamaraty. 'Os recursos gastos com subsídios agrícolas são seis vezes maiores do que o montante adicional necessário para implementar as Metas do Milênio.'

COMITÊ DA PAZ

A criação de um comitê para a construção da paz é outro tema que entrará na agenda da ONU. 'A idéia reflete teses defendidas pelo Brasil desde os anos 90 para que haja um mecanismo intergovernamental impedindo que os países caiam em situação de instabilidade crônica', observou o subsecretário-geral de Assuntos Políticos do Itamaraty, embaixador Antônio Patriota. 'Esse comitê conta com suficiente apoio para ser criado até dezembro e deve haver referência a ele na declaração final.' Nos dois dias em que ficará em Nova York, Lula carregará um relatório preparado pelo governo para mostrar como o Brasil tem acompanhado o cumprimento das Metas do Milênio.

Recheado de números, o documento destaca que o Brasil está fazendo a sua parte, sob o argumento de que os indicadores do País melhoraram. A análise é pontuada por elogios aos programas sociais, embora o Brasil ainda ostente o título de quinto país mais desigual do mundo, segundo o último levantamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Apesar da turbulência política que paralisa o governo, Lula quer exibir esperança na ONU. O relatório que o presidente levará na bagagem é uma espécie de prestação de contas, com ênfase no Bolsa-Família, programa de transferência de renda que hoje beneficia mais de 6,5 milhões de famílias no País.

Satisfeito com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e com levantamento da própria ONU - que aponta o Brasil como quinto destino preferencial dos investimentos estrangeiros diretos -, o presidente insistirá que a parceria entre o econômico e o social melhorou a qualidade de vida da população. O terremoto na seara política será estrategicamente deixado de lado.

Lula também integra o comitê formado por Chile, França, Espanha, Alemanha e Argélia, que listará propostas de ajuda internacional para o combate à fome. No ano passado, as alternativas elencadas pelo grupo - na época sem a participação da Alemanha e da Argélia - enfrentaram forte reação dos Estados Unidos (leia reportagem na página 7).

De lá para cá, porém, pouca coisa mudou. Cálculos da ONU e do Banco Mundial ainda indicam a necessidade de aumento no volume de recursos destinados aos países pobres em pelo menos US$ 50 bilhões por ano até 2015. Mas recente relatório do Pnud mostrou que a contagem regressiva para atingir os oito objetivos do Milênio preocupa: a maioria dos países ricos não está nem mesmo cumprindo o compromisso de destinar 0,7% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para a ajuda internacional.

'Falando sem rodeios, o mundo está a encaminhar-se para um desastre fortemente anunciado do desenvolvimento humano, cujos custos se contarão em mortes evitáveis, crianças que não freqüentam a escola e perda de oportunidades para a redução da pobreza', atesta o relatório do Pnud. 'Este desastre é tão evitável como previsível.'