Título: Ninguém assume fantasmas que assombram Lula no Planalto
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2005, Nacional, p. A8

Um fantasma ronda o Palácio do Planalto - mas até aqui ninguém descobriu a sua ideologia. Ele parece existir, dada a insistência com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o ressuscita em seus pronunciamentos, notadamente nos últimos quatro meses, quando ao original se juntou o fantasma da crise. Lula tem denunciado a entidade 'eles', que integraria a legião das 'forças ocultas'. A referência mais grave foi feita no dia 21 de junho: 'Eles não sabem com quem estão lidando', bradou. Nos lados da oposição, ninguém assume a carapuça. Análise feita pelo Estado nos pronunciamentos formais e informais do presidente dos últimos quatro meses (desde o início da crise política) apontou dezenas de frases em que Lula se refere a 'eles', 'aqueles', 'alguém' - sempre um inimigo indefinido - que ele, ao final, consolidou sob a acusação genérica de 'forças ocultas' que estariam tramando para desestabilizar o seu governo. 'O presidente está vendo fantasmas onde eles não existem', diz o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato.

'Não tem nada mais aberto do que as movimentações da oposição', observa o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), 'nosso jogo é muito claro'. O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, descarta o meio empresarial como suspeito de ser o 'eles'.

'Todas as críticas que temos feito são assinadas e, sempre, fundamentadas em estudos e acompanhadas de idéias para as respectivas soluções', salienta Skaf. Do lado dos trabalhadores, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, garante que o fantasma existe e não está junto à oposição, mas ao lado de Lula.

'A principal força oculta é a sombra dele - a cúpula do PT, o pessoal que ele botou no governo', diz. E complementa: 'A única coisa oculta na democracia brasileira foi o que levou o governo e seus aliados a essa situação. E quem fez isso não foi a oposição.' O líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman, ri muito antes de opinar: 'Isso é criação da paranóia de Lula'.

Com ele concorda o presidente do PPS, deputado Roberto Freire (PE): 'Esse governo é um desastre tão grande que se houvesse uma força, oculta ou não, organizada, já lhe teria criado problemas muito maiores'. 'A crise nasceu e cresceu dentro do governo, não houve nenhum fator exógeno', assevera Busato.

Para ele, se houve alguma traição, o presidente tem de apontar nomes: 'Quem trai o presidente trai a Nação.' Já d. Irineu Scherer, bispo de Garanhuns, cidade natal de Lula, excetua a Igreja: 'Quando o cardeal Scheit, do Rio, disse que Lula era caótico, pareceu uma gafe. Hoje as pessoas já acham que ele falou uma coisa próxima da verdade.' O ex-senador e coronel da reserva do Exército Jarbas Passarinho diz que o 'eles' é uma carapuça que não cabe na cabeça das Forças Armadas: 'O pessoal da reserva nem gosta muito dele, mas não tem força. Na ativa, a disciplina é muito grande', assinala. E define: 'Não há forças, muito menos ocultas, e menos ainda terríveis, como de fato disse Jânio Quadros. Forças ocultas são produto da imaginação de Lula.'

PRIMARISMO

A cientista política Maria Celina d´Araújo, do CPDOC/FGV, explica que as referências a inimigos indefinidos e abstratos, como as do presidente Lula, são comuns na prática política, 'mas não com esse primarismo'. Segundo ela, ao apontar inimigos, próximos ou distantes, o político busca fixar uma imagem e ocupar um lugar definido no espectro político-ideológico, isolando-se dos concorrentes e dando direção às críticas.

A artimanha de apontar adversários-inimigos abstratos, diz ela, equivale a estabelecer lados - o lado governo e o 'lado de lá' (que corresponde ao 'eles'), que passa a ser visto pela sociedade como uma entidade obscura, embora imprecisa. 'Mas é claro que não existe nada neste momento, não há nenhuma conspiração contra o governo Lula, a não ser a obrigação de apurar os atos de corrupção', diz Maria Celina. A cientista política observa que Lula se equivoca historicamente quando relembra o expresidente Jânio Quadros e sua famosa referência.

'Ele fala porque não conhece História do Brasil. Qualquer pessoa que tenha estudado cinco minutos de História sabe que as ´forças terríveis´ que Jânio acusou eram ele mesmo', acentua. Ela subscreve que não havia nenhuma conspiração quando Jânio renunciou e denunciou as tais 'forças terríveis'. 'Ele é que conspirava contra o Congresso, para governar sem negociar com os partidos e bancadas', diz.