Título: Telescópio brasileiro detecta explosão mais antiga e distante do Universo
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/09/2005, Vida&, p. A15

Treze bilhões de anos atrás, quando o Universo ainda era pouco mais do que um recém-nascido, a explosão de uma estrela supermassiva enviou um pulso de raios gama através do espaço. Treze bilhões de anos depois - ou, mais precisamente, no domingo retrasado - esse pulso chegou até a Terra e foi detectado por um satélite orbital da Nasa, que enviou o alerta para astrônomos ao redor do planeta. Segundo os pesquisadores, trata-se da explosão mais distante e mais antiga já identificada no Universo. A descoberta, anunciada ontem, contou com a participação decisiva de pesquisadores brasileiros no Observatório Austral para a Pesquisa em Astronomia (SOAR), inaugurado no ano passado, no Chile. O telescópio, operado em parceria pelo Brasil e três instituições americanas, foi o primeiro a focalizar a explosão no espectro infravermelho, permitindo que sua distância fosse calculada. "Vários grupos fizeram observações, mas nós temos o mérito de ter feito a descoberta", disse o astrônomo Eduardo S. Cypriano, residente do SOAR.

O satélite Swift, da Nasa, é projetado especificamente para detectar pulsos de raios gama, mas não tem a instrumentação necessária para analisar as explosões em maior detalhe. Para isso, envia um sinal para pesquisadores ao redor do mundo, que correm para registrar o fenômeno. No dia 4 de setembro, três horas após a detecção inicial, Cypriano foi contactado por uma equipe da Universidade da Carolina do Norte (uma das parceiras do SOAR) pedindo que apontasse o telescópio para as coordenadas enviadas pelo satélite.

Outros dois observatórios - no Chile e nos EUA - já haviam tentado registrar a explosão no espectro de luz visível, mas sem sucesso. "Isso já nos dava a dica de que o objeto deveria ser muito distante", disse o pesquisador brasileiro, que faz pós-doutorado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). O conjunto de análises - feitas ainda com o telescópio Gemini Sul , que também tem participação brasileira - mostraria que a explosão ocorreu a 13 bilhões de anos-luz da Terra. O que equivale, em termos técnicos, a um redshift (desvio para o vermelho) de 6,29.

Segundo Cypriano, há pouquíssimos objetos conhecidos mais distantes do que isso. As galáxias mais distantes possuem redshift de 6,57 e o quasar mais distante (o núcleo ativo de uma galáxia contendo um buraco negro super massivo), de 6,42. Um redshift 5 equivale a 12 bilhões de anos. E a idade estimada do Universo é de 13,7 bilhões de anos.

ALTA ENERGIA

As explosões de raio gama são os eventos mais estrondosos do Universo. Elas ocorrem com freqüência diária no espaço, mas os cientistas ainda não compreendem exatamente a sua origem. A hipótese mais provável é que os pulsos sejam decorrentes da morte de estrelas de massa muito grande, que explodem quando chegam ao fim de suas vidas e transformam-se em buracos negros.

A importância da última descoberta é que ela permite aos cientistas estudar como ocorriam a formação e a morte de estrelas ainda nos primórdios do Universo. As pistas estão na luz emitida pela explosão e nas modificações que ela sofreu durante sua viagem pelo espaço. Para ser visível depois de tanto tempo, a explosão deve ter sido monstruosa. O astrônomo italiano Guido Chincarini, que também observou o evento, estima que a energia liberada pode ter sido "300 vezes maior do que o Sol vai produzir durante toda sua vida de 10 milhões de anos".

Os raios gama têm o menor comprimento de onda do espectro eletromagnético e são a forma mais energética de radiação. O pulso detectado pelo Swift foi excepcionalmente longo (mais de 3 minutos) e o seu afterglow, ou brilho posterior, ficou visível por 3 dias. Foi esse brilho que o SOAR e outros observatórios captaram.

" Fico muito satisfeito que o SOAR esteja começando a produzir ciência de fronteira ", comemorou o astrônomo João Steiner, do IAG, principal responsável pelo projeto. "Foi para isso que ele foi projetado e ainda fará muito disso no futuro."