Título: Costas amplas e ardentes
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/09/2005, Nacional, p. A6

Severino age com a insolência dos protegidos por algum poder de força maior Quem vê o presidente da Câmara dos Deputados afirmar com todos os efes e erres que não tem a menor intenção de sair, pode não entender a razão de Severino Cavalcanti comprar briga dessa envergadura com os fatos. Mas o deputado, cuja insolência não deriva de outra fonte senão da segurança de ter as costas largas e quentes, nem sempre sabe o que diz mas, desta vez, com o mandato em risco, certamente sabe o que faz.

Ou pensa saber, ante as evidências de promessas de poderosas proteções. Até seus aliados integrantes da Mesa Diretora da Casa, acabrunhados no fim da semana passada, ontem mostravam firmeza e animação suficientes para ameaçar com punições administrativas os deputados que faltarem às sessões de votações a título de protesto pela presença de Severino à frente da instituição.

Oficialmente, o Palácio do Planalto não toma conhecimento do destino do deputado Severino Cavalcanti, não defende nem acusa, tampouco orienta sua base parlamentar na tomada de posição a respeito das condições políticas de Severino prosseguir na presidência da Câmara sendo o principal suspeito num caso de extorsão.

Na prática, a visita do ministro da Articulação Política, Jaques Wagner, à casa de Severino durante toda a manhã de domingo diz o contrário a respeito da neutralidade alegada na versão oficial.

Como também a presunção da inocência invocada ontem pela ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, diz muito mais sobre a segurança exibida por Severino no dia seguinte à sua volta de Nova York do que as negativas formais sobre quaisquer acertos entre as presidências da República e da Câmara, ambas hoje na berlinda cada qual com suas devidas proporções.

Assim como fez o PT no início da crise, e em boa medida continua fazendo o presidente Luiz Inácio da Silva, Severino Cavalcanti resolveu ignorar a realidade, a lógica; decidiu passar por cima dos riscos, não medir as conseqüências e pagar para ver se as forças contrárias à sua permanência têm energia e argumentos bastantes para afastá-lo do cargo.

Conta com o apoio dos governistas, dos amigos do baixo clero, dos envolvidos nas denúncias de corrupção - para os quais já defendeu punições brandas - , numa troca de interesses nefastos.

O problema desse tipo de trato, em que a mão esquerda ajuda a direita (e vice-versa) a travar o mau combate, é que em geral acabam ambas sujas.

Severino, o palácio e mais os deputados que hesitam em renunciar na esperança de salvar seus mandatos parecem contar com a força da maioria silenciosa, esquecidos de que, no caso de uma crise praticamente toda pautada pela opinião pública, a batalha da comunicação é fator primordial.

O presidente da Câmara possivelmente tenha mesmo bom número de defensores, mas conviria não se fiar na firmeza deles, pois são envergonhados e suscetíveis ao sabor dos ventos e ao tamanho das ondas.

Lesa-idioma

O deputado Severino Cavalcanti informa que a palavra renúncia não faz parte de seu vocabulário.

A contar pelos atributos de linguagem exibidos pelo presidente da Câmara, há ausências bastante mais numerosas em seu repertório vocabular.

Justiça se faça, Severino não é o único adepto do dialeto por meio do qual governantes, dirigentes e depoentes vêm sistematicamente agredindo a Constituição no tocante à obrigatoriedade do uso do idioma português como língua pátria.

Pequeno dicionário

Comandante-em-chefe da Receita Federal no governo Fernando Henrique, Everardo Maciel enviou recentemente um e-mail ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, com algumas sugestões de novos verbetes ao "dicionário do politicamente correto para atitudes politicamente incorretas".

Inspiradas na terminologia em voga, principalmente difundida pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares, eis algumas.

1. Sonegação: postergação do pagamento de impostos por prazo indeterminado e à revelia do fisco;

2. Lavagem de dinheiro: assepsia heterodoxa de recursos financeiros;

3. Laranja: interposta pessoa;

4. Malas e cuecas: meios não convencionais para transporte de valores;

5. Conluio: depoimentos espontâneos combinados com entrevistas seqüenciais;

6. Corrupção: transgressão ao oitavo mandamento (não levantarás falso testemunho nem mentirás);

7. Contrabando: importação não registrada adequadamente;

8. Omissão de receita: lapso fiscal;

9. Enriquecimento ilícito: acréscimo patrimonial ainda não suficientemente explicado;

10. Compra superfaturada: compra realizada com margem de lucratividade atípica;

11. Mensalão: recursos financeiros para assegurar a governabilidade.