Título: Maluf comprou 349 quilos de ouro com desvios, diz PF
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/09/2005, Nacional, p. A11

Virou ouro uma parte dos recursos que Paulo Maluf teria desviado dos cofres públicos municipais e remetido para a conta Chanani, operada nos EUA pelo doleiro Vivaldo Alves, o Birigüi - principal acusador do ex-prefeito, que está preso na Polícia Federal desde a madrugada de sábado. Investigação conjunta da PF e do Ministério Público de São Paulo indica que pelo menos 349 quilos do metal foram adquiridos entre 14 e 20 de junho de 1998 com cheques de duas empresas fantasmas, subcontratadas de empreiteiras que formaram consórcio para construção da Avenida Água Espraiada, polêmico empreendimento da administração Maluf.

Aberta em 1997, a Chanani movimentou US$ 161 milhões no Safra National Bank de Nova York. À PF, Birigüi confessou ter sido o operador da conta e que o dinheiro foi usado para cobrir despesas dos Maluf nos EUA. O Ministério Público suspeita que US$ 5,88 milhões saíram da Chanani para pagar dívida de Maluf com seu marqueteiro, Duda Mendonça.

A Promotoria de Justiça da Cidadania, braço do Ministério Público paulista que rastreia casos de improbidade e enriquecimento ilícito de servidores, descobriu que outro doleiro teve a missão de transformar em ouro uma parte do montante supostamente desviado por meio de um esquema de propinas montado a partir do superfaturamento da avenida.

Laudo subscrito por peritos e contadores do Ministério Público indicou sobrepreço de R$ 200 milhões na Água Espraiada. O ex-diretor-financeiro de uma das empreiteiras denunciou que Maluf teria ficado com a maior parcela subtraída do Tesouro. O ex-prefeito nega irregularidades na obra que marcou sua gestão. Afirma que não houve propinas na obra.

O doleiro que adquiriu 1,4 mil barras de ouro será interrogado na próxima semana. Ele operou para o esquema PC Farias, tesoureiro de campanha do ex-presidente Fernando Collor. Há seis meses a PF prendeu o doleiro, condenado a 10 anos de cadeia por gestão fraudulenta de instituição financeira.

Segundo o Ministério Público, o ouro da propina foi transformado em dólares numa segunda etapa da operação. O destino do dinheiro foi a conta Chanani. Documentos bancários que a Promotoria Distrital de Manhattan cedeu às autoridades brasileira mostram que a Chanani cobriu gastos de dois filhos de Maluf, Flávio e Otávio.

Os cheques usados para pagamento do ouro foram emitidos pelas empresas Fomento Engenharia e Construções e Planicampo Terraplanagem Ltda. A Promotoria da Cidadania sustenta que a Fomento e a Planicampo são fantasmas - sem atividade oficial, criadas só emitir notas e realizar o fluxo financeiro da propina.

A perícia do Ministério Público identificou 15 subcontas abertas em moedas diferentes (franco suíço, dólar americano, marco alemão e iene japonês) em nome da Durant International Corporation, offshore que teria Maluf como seu principal beneficiário. Aporte de US$ 27 milhões na conta Chanani foi feito pela Durant, segundo a promotoria de Nova York.

Os promotores constataram que, em apenas 6 dias, entre 14 e 20 de junho de 1998, R$ 4,5 milhões que teriam sido desviados do Tesouro paulistano na gestão Maluf foram usados para compra de ouro. BR Ex-prefeito depõe no dia 21 Flávio, filho de Maluf, também será interrogado na Justiça F.M. Paulo Maluf, réu por corrupção passiva, crime contra o sistema financeiro (evasão de divisas), lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, será interrogado judicialmente dia 21 de setembro.

A data do interrogatório foi determinada pela juíza Silvia Maria Rocha, titular da 2.ª Vara Criminal Federal em São Paulo, que decretou a prisão do ex-prefeito e também a do filho mais velho dele, Flávio. Diretor-presidente da Eucatex, Flávio foi preso com o pai e também vai depor no mesmo dia.

O interrogatório é a oportunidade que Maluf tem para dar sua versão sobre as acusações que lhe foram imputadas pelo doleiro Vivaldo Alves, o Birigüi. O doleiro fez 3 depoimentos à Polícia Federal e um ao Ministério Público de São Paulo. Acusou os Maluf de terem tentado convencê-lo a ficar calado perante a PF e os promotores.

Com base na denúncia de Birigüi e na interceptação telefônica, a PF e a Procuradoria da República pediram a prisão do ex-prefeito e do filho e outras medidas. A juíza acolheu todos os pedidos da acusação, após ler a transcrição dos diálogos entre Maluf e Flávio e Maluf e advogados.

Silvia Rocha também mandou apurar vazamento de informações acerca do inquérito da Polícia Federal que está sob sigilo.

FALSA COMUNICAÇÃO

A procuradoria requereu instauração de inquérito contra dois advogados por suposta falsa comunicação de crime. Em julho, os advogados entregaram petição à juíza acusando o doleiro Birigüi de tentar extorquir US$ 5 milhões dos Maluf. Em troca desse dinheiro, Birigüi teria se comprometido a não revelar os detalhes da conta Chanani, que ele confessou ter operado no Safra National Bank de Nova York.

Birigüi negou a tentativa de extorsão e decidiu colaborar com as investigações da PF e da procuradoria. Ele foi denunciado formalmente com os Maluf, no mesmo processo da 2.ª Vara Federal, mas o procurador Pedro Barbosa Pereira Neto pediu a concessão do benefício da delação premiada para o doleiro.

Os advogados do ex-prefeito e de Flávio vão apresentar hoje habeas-corpus perante o Tribunal Regional Federal (TRF) para tentar revogar o decreto de prisão da juíza Silvia Rocha. Eles alegam que os Maluf não praticaram crime. Maluf diz que caiu em uma "armadilha". Referindo-se ao doleiro, ele protestou: "O réu confesso está solto e eu na prisão."

No domingo e ontem, duas pessoas, uma de Fortaleza e outra de São Paulo, entraram com habeas-corpus em favor de Maluf - ambos os pedidos foram rejeitados liminarmente pelo Tribunal Regional Federal em São Paulo.