Título: O câmbio e a inflação
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

É quase certo que amanhã os juros comecem finalmente a cair. O Copom vai dizer que a inflação está convergindo para dentro da meta e, por isso, o volume de dinheiro disponível na economia pode ser aumentado. Por trás da queda dos juros há uma lógica: a de que os juros altos cumpriram seu papel, ou seja, controlaram a inflação e, uma vez dominada a inflação, cabe tirar os juros gradativamente de ação. Enfim, o Copom está agindo como o médico que vai baixando a dose do remédio porque a doença foi revertida.

A novidade é que há razões para acreditar em que a maior parte do serviço não foi feito pelos juros, mas pelo câmbio. Isso precisa ser trocado em miúdos.

É fácil entender como os juros atacam a inflação. Juros mais altos é menos dinheiro circulando na economia. É como funciona um automóvel: quando o motorista põe menos gasolina no motor o carro desacelera. Com a redução do volume de recursos na economia, o preço do dinheiro, que são os juros, sobe. Menos dinheiro na economia derruba o consumo e, portanto, reduz as condições para que os fazedores de preço remarquem mercadorias e serviços.

O problema é que o sistema econômico brasileiro tem vícios históricos. Um deles é o de que pelo menos 30% dos itens que compõem o custo de vida (inflação) têm seus preços definidos ou por contrato ou por lei. É o caso das tarifas telefônicas, luz, água, aluguel - para ficar com apenas alguns exemplos. Para esses itens, de nada adianta empurrar os juros em direção à lua. Os reajustes serão feitos de acordo com o critério previamente estabelecido.

Outro fator que tira a força da terapia dos juros é o que acontece com o crédito. No segmento do crédito direto ao consumidor, o que mais conta não é nem o preço da mercadoria nem o tamanho dos juros, mas o valor da prestação. Se a prestação cabe no salário, em vez de desistir ou adiar a compra, como pretende a autoridade monetária cada vez que aumenta os juros, o consumidor compra mesmo assim.

São essas e outras ineficiências da política monetária que exigem uma superdosagem de juros (a mais alta do mundo), cada vez que o Copom quer derrubar a inflação.

Por isso, muitos economistas sugeriram que o governo não sobrecarregasse a política de juros; que tratasse de pôr em marcha outras políticas que ajudassem os juros. Calhou que o câmbio viesse nessa direção.

O forte aumento das exportações está produzindo, apenas neste ano, um superávit comercial de US$ 41 bilhões. Esses dólares despencaram no câmbio interno e derrubaram a cotação da moeda estrangeira em reais.

De dezembro do ano passado até meados de março, o Banco Central entendeu que devia comprar dólares para recompor reservas e, talvez, para evitar uma valorização que poderia ser entendida como excessiva do real. Com isso, evitou que a cotação do dólar desabasse.

Logo entendeu que o câmbio baixo poderia ser usado para obter resultado melhor: ajudar a política de juros a controlar a inflação. Dólar mais barato em reais reduz os preços dos produtos importados no mercado interno. Isso, por si só, ajuda a conter a inflação. Mas o importado mais barato também impede que o produto nacional fique mais caro, à medida que aumenta a concorrência interna.

Por isso, em março o Banco Central suspendeu as compras de dólares e deixou o câmbio deslizar para que a inflação definhasse. Há quatro meses o IGP-M tem apresentado evolução negativa. Esse desempenho está sendo transferido também para o custo de vida (o IPCA).

Falta saber até quando o dólar ficará onde está; até quando ajudará a política de juros; e se os juros mais baixos não provocarão alta do dólar, como tanto economista afirma. São questões que ficam para outro dia.