Título: O risco da soma zero
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/09/2005, Nacional, p. A6

O perigo agora é a Câmara se perder na disputa interna pela presidência Cassado Roberto Jefferson, a pergunta que se faz agora é a seguinte: isso facilita ou dificulta a punição dos outros deputados apontados como partícipes do esquema de repasses de verbas ilegais - "não contabilizadas" - no eixo Executivo-Legislativo-Marcos Valério e companhia?

A resposta é, depende. Tudo vai depender do comportamento da Câmara diante do problema criado por Severino Cavalcanti quando ocupava a primeira secretaria e resolveu pedir um dinheiro ao dono do restaurante concessionário na Casa para prorrogar o contrato por mais um ano.

A sucessão dele pode desencadear uma briga de poder tal que leve os deputados a se desviarem do fundamental para se concentrar no secundário.

Severino é um presidente que já não preside; sequer pôde ainda pôr o pé fora de casa desde o aparecimento do cheque da propina, mas é de direito o dono do cargo e, se suas excelências não tomarem tenência, nele poderá permanecer como alma assombrada durante tempo suficiente para desmoralizar de vez a instituição legislativa.

Basta para isso que governo e oposição dêem prioridade à disputa pela sucessão e se deixem cegar pela sofreguidão de conquistar a presidência da Câmara.

Se o engalfinhamento interno pela cadeira de Severino tomar conta da cena, corre-se o risco de não se chegar a lugar algum no tocante às investigações em andamento nas CPIs e ainda transformar o resultado dos processos de cassação de deputados numa conta de soma zero.

Em ambiente de vale tudo pelo poder, convenhamos, não será difícil punições (ou a falta delas) entrarem na agenda de negociações entre os partidos.

Nesta hipótese, ganham Severino e todos os outros acusados - a maioria com quase nada mais a perder - e perde o colegiado que terá de pagar a conta nas urnas de 2006.

Mais de um parlamentar experiente já alertou que, se os deputados não tiverem muita calma - e principalmente juízo - nesta hora, não volta ninguém para a Câmara.

A hesitação do ainda presidente Severino em decidir se sai ou se luta para ficar guarda relação com a possibilidade de, em virtude da briga interna, tudo virar uma grande confusão no Parlamento, dispensando-se mesmo o tão falado acordão salva-cabeças até agora interditado pela estreita vigilância da opinião pública.

Qualquer pessoa normal, preocupada com o resguardo da própria integridade - senão moral, pelo menos espiritual - não pensaria duas vezes em se retirar do palco cheio de alçapões.

Severino não: mesmo sem condições de presidir uma sessão plenária, de definir uma pauta de votações ou mesmo de se apresentar ante um microfone ou uma câmera de televisão, fica ali esperando que o caos lhe seja louvado e se apresente como salvação.

Digamos que o faça com um pouco de base e razão. A despeito da votação sem percalços da cassação de Roberto Jefferson, o clima agora já não autoriza segurança absoluta na preponderância da normalidade que até então realmente se impôs sobre as recorrentes hipóteses de conchavos em prol da impunidade.

Governo e oposição já estão nitidamente divididos na questão Severino, cada grupo comprometido com a solução que melhor lhe favorece. Há quatro saídas possíveis para ele: pedido de licença médica (Severino tem 74 anos, é cardiopata, diabético e hipertenso), licença por "motivos pessoais", renúncia à presidência e renúncia ao mandato.

Governistas preferem a tese da renúncia e oposicionistas gostam dela também, mas trabalham com a possibilidade da licença, pois ela daria a presidência de imediato ao PFL. Pelo mesmo motivo, o Palácio do Planalto repudia esta hipótese.

Nesse jogo de puxa daqui e dali, se não estiverem atentos os deputados acabam olhando para os respectivos umbigos e correm o risco de repetir a bobagem de fevereiro, quando deram à disputa na Câmara o caráter de briga de rua entre governo e oposição, e o resultado é o que hoje se vê.

Contra-ataque

Depois de um tempo de recolhimento, os petistas voltam a assumir o papel de vítimas das forças conservadoras. Agora já não falam de conspiração, mas de ataques agressivos e injustificáveis da "direita" interessada em instalar no Brasil um clima de macarthismo redivivo.

Mãos dadas

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, não deixa de ter razão quando releva as críticas por serem próprias de democracia, e alguns parlamentares não deixam de exagerar quando reclamam da decisão dele em favor da procrastinação de punições de natureza política.

Não há, de fato, problema algum no recurso à Justiça por parte de quem vê o jogo perdido em outras searas.

A questão, no caso do mandato de segurança impetrado pelos deputados petistas para atrasar os processos de cassações, foi o caminho escolhido: a apresentação do pedido depois do expediente do STF para escapar do rodízio de relatores e contar com a certeza da decisão favorável.

Ficou mal para os deputados e para Jobim ficou péssimo.