Título: É hora de abandonar o IGP
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2005, Espaço Aberto, p. A2

O Índice Geral de Preços (IGP) é uma família de índices produzidos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. Dentre os membros dessa família se destacam o IGP-DI (Disponibilidade Interna) e o IGP-M (de Mercado), que, entre outras finalidades, são utilizados para corrigir tarifas públicas, como as de telefonia, e obrigações financeiras, como contratos privados e títulos da dívida pública. Criado em 1947, o IGP tem uma estrutura obsoleta, que permanece inalterada desde então. Nela predominam os preços por atacado (com peso de 60%), ao lado de preços ao consumidor (com 30%) e custos da construção civil (com 10%). Nos preços por atacado têm grande influência os de produtos transacionados com o exterior, como os da soja, cuja variação em reais acompanha de perto as oscilações da taxa de câmbio de nossa moeda em relação ao dólar.

Para entender melhor o IGP e as distorções a que leva seu uso como indexador é conveniente compará-lo com o Índice de Preços ao Consumidor-Ampliado (IPCA), do IBGE. Este é um índice que mede preços de bens e serviços no varejo e cobre um leque mais amplo de produtos e serviços. Nessas condições, o IPCA é melhor que o IGP para medir a variação de preços em geral. Tanto assim é que o IPCA é o alvo da política de metas de inflação seguida pelo Banco Central (BC).

Passando aos problemas gerados pelo IGP e seu uso como indexador, para não ir longe no passado e como primeiro ato dessa história, sabe-se que esse índice passou a apresentar fortes aumentos e oscilações desde 1999, por conta da forte desvalorização do real naquele ano, seguida por sensível instabilidade da taxa cambial, com destaque para sua elevação em 2002 e o movimento de queda verificado no ano corrente.

Observando-se o impacto no IGP-M entre 2000 e 2004, sua maior taxa anual foi de 25,31%; a menor, 8,71%. As variações do IPCA foram bem menores, entre 12,53% e 5,97%, respectivamente. Claro está, portanto, que nesse período o IGP-M apresentou instabilidade ou volatilidade muito maior que o IPCA. O IGP-DI caminhou na mesma linha do IGP-M.

Com esses resultados, tarifas públicas foram fortemente aumentadas em face de sua indexação ao IGP. Isso trouxe problemas à própria política antiinflacionária do BC, pois elas passaram a responder por parcela crescente da variação do IPCA. Outro impacto importante do IGP foi sobre o valor de obrigações financeiras, em particular os títulos da dívida pública. O Estado de São Paulo e a Prefeitura da capital paulista, por exemplo, passaram a enfrentar sérios problemas nas suas dívidas, cujo aumento por força do IGP contribuiu para que ambos estourassem limites de endividamento, o Estado em 2002 e a Prefeitura de forma crônica, neste caso também por gestões fiscais irresponsáveis.

Ora, a indexação de preços e de obrigações financeiras deve ser concebida e implementada de forma muito cuidadosa, para evitar distorções como as apontadas. São distorções porque não é defensável indexar tarifas públicas a índices como o IGP; uma indexação, se adotada, deveria utilizar um índice mais geral de preços, como o IPCA, ou mesmo um índice setorial, dos custos de um setor, como os da telefonia. Também não cabe indexar obrigações financeiras a um índice como o IGP.

O que de fato explica o seu uso como indexador é o diferente poder dos contratantes, ao lado de circunstâncias ligadas ao momento em que foram firmados os contratos entre as partes. Assim, por exemplo, na negociação das dívidas entre os Estados e municípios e a União, esta, a grande credora e mais forte financeiramente, impôs a indexação pelo IGP. Nas tarifas públicas, as empresas que se interessaram pelo processo de privatização de serviços públicos num momento em que o real estava sobrevalorizado (primeiro mandato de FHC) temiam uma desvalorização que lhes impusesse perdas. Assim, não queriam participar desse processo sem que as tarifas fossem ligadas a um índice como o IGP, influenciado pela taxa de câmbio, que lhes assegurasse remuneração adequada em caso de desvalorização do real.

Passando ao segundo ato da história, estamos em 2005, as taxas de inflação são bem menores que as citadas e, por conta da valorização do real, os resultados dos índices são bem diversos. As últimas previsões levantadas pelo BC são de que o IPCA fechará o ano com uma taxa perto de 5,2%, enquanto o IGP-DI e o IGP-M mostram taxas mensais negativas, devendo encerrar o ano com taxas anuais perto de 1,6%(!). Para 2006, prevê-se que os três índices mostrarão simultaneamente uma variação anual perto de 5%.

Seria o fim da história, pois ela mostra agora, "em compensação", um IGP menor, a favorecer consumidores de serviços públicos e devedores? Não seria o caso de deixar que continuasse a ser usado como no passado?

Não, ao contrário, o momento é particularmente oportuno para abandonar definitivamente o IGP como indexador de dívidas e de contratos na esfera do setor público. O problema do uso desse índice é de natureza conceitual. Desta decorrem riscos decorrentes de instabilidade do índice, ligada à taxa de câmbio, que continuarão existindo e muito maiores no caso do IGP do que do IPCA. Num sistema de preços, tanto quanto o valor absoluto deles interessa a sua estabilidade, pois as oscilações causam problemas de gestão para quem sofre com elas, dificultando a formulação de orçamentos, a avaliação de resultados e o planejamento de ações futuras.

E mais: o momento é particularmente adequado porque agora os poderosos perdem com variações menores e mesmo negativas do IGP. Portanto, estão mais propensos a mudanças de índices. Assim, é melhor aproveitar o momento para acertar as contas, ao menos com relação ao futuro. Do passado ficam enormes prejuízos e grandes lições que não podem ser ignoradas.