Título: As ilusões do presidente
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2005, Notas e Informações, p. A3

No simulacro de entrevista - 5 minutos e 25 segundos em um saguão de hotel na Cidade da Guatemala - que se dignou conceder aos jornalistas que o acompanham em mais uma viagem ao exterior, o presidente Lula mostrou que, entrando no 5 mês da crise da corrupção no seu governo e no seu partido, está cada vez mais tomado pela soberba e a crença na própria invulnerabilidade. Perguntado sobre a nova pesquisa CNT/Sensus que confirma a crescente desaprovação à sua atuação como Supremo Magistrado da Nação - na casa de 40%, índice sem precedentes desde a posse - seria até de boa política reconhecer humildemente que a opinião pública tem motivos legítimos para se inquietar com as denúncias e dizer que confia na reversão dos números quando for conhecida toda a verdade sobre o que até agora parece um projeto petista de apropriação do Estado. Mas não. Declarou que não costuma "reagir a pesquisas", que está tranqüilo porque elas "não refletem o que você pode fazer no governo" - seja lá o que isso signifique - e que, outro fosse o presidente, em iguais circunstâncias, possivelmente estaria "abaixo de zero". Falta alguém que o advirta que o declínio de sua popularidade poderá não ser neutralizado em 2006 pelos números favoráveis da economia com os quais conta para robustecer o seu patrimônio eleitoral. Primeiro, porque ninguém em sã consciência pode prever até onde irá a crise. Segundo, porque, quando começar oficialmente a campanha - a sua começou em 1 de janeiro de 2003 -, ele será implacavelmente atacado pela concorrência e já não terá o virtual monopólio da exposição na mídia e nem o apoio de um PT unido e capaz de "usar práticas delinqüentes" para ganhar eleições, como diz Paul Singer, petista da 1ª hora.

Fruto da mesma soberba foi a sua resposta desdenhosa a uma pergunta sobre a revelação deste jornal de que, entre 2002 e 2003, o PT usou recursos do Fundo Partidário, dinheiro do contribuinte que as legendas recebem para despesas de custeio, a fim de pagar passagens aéreas dele, de seus filhos, noras, genro e neta - bem como de familiares do então designado ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e até para Luiz Favre, marido de Marta Suplicy. "Eu até que fiquei surpreso com a notícia", começou, para desandar: "Agora, eu estranharia se fosse o PSDB ou o PFL que tivessem (sic) pago a minha passagem. Mas o PT tinha mais era obrigação de pagar a minha passagem."

É outra "gaffe" do tipo daquela da entrevista de Paris. Não lhe ocorreu que, mais grave do que o pagamento de passagens, há o outro que pode atingi-lo pessoalmente - o que se verá quando o sindicalista Paulo Okamotto depuser na CPI dos Bingos sobre a esquisita história da dívida de R$ 29,4 mil que o PT cobrava de Lula e que Okamotto diz ter pago com depósitos em dinheiro (alegadamente, dinheiro próprio).

Ao contrário do que ele disse, a crise não "está se resolvendo" e é uma fonte incessante de surpresas indigestas para alguns estrelados companheiros do presidente. A mais nova estava no Jornal Nacional da terça-feira: uma seguradora teria contribuído para o caixa 2 eleitoral do candidato petista a prefeito de Goiânia em 2004. Tinha polpudos motivos para contribuir... Aparece no esquema o irmão de Palocci, Ademar, ex-secretário de Finanças do município e atual diretor de Planejamento da Eletronorte.

A CPI dos Correios e uma força-tarefa integrada pelo Tribunal de Contas da União, o Banco Central e a Polícia Federal continuam a passar o pente-fino em um vasto papelório, o que poderá identificar novos sacadores das contas das empresas do publicitário Marcos Valério. Fala-se em cerca de 800 operações envolvendo R$ 12 milhões. De seu lado, a CPI dos Bingos tomou uma decisão que alcança o gabinete presidencial: convocou o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho. Segundo o médico Francisco Daniel, irmão do assassinado prefeito de Santo André, Celso Daniel, Carvalho levava ao então presidente do PT, José Dirceu, o produto das propinas extorquidas de empresas da cidade.

Nos últimos dias, o foco do noticiário político-policial se deslocou para as atribulações, decerto merecidas, do presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, mas já voltou para o foco original. O PT recuou do apoio ao pedido de abertura de processo no Conselho de Ética da Câmara para a cassação de Severino. Foi obviamente uma decisão de Lula: ele não acerta uma.