Título: Ao saber do cheque, deputado emudece
Autor: Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2005, Nacional, p. A7

Aquartelado na residência oficial da presidência da Câmara, confortável casa às margens do Lago Paranoá, na Península dos Ministros, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) soube que sua carreira política estava por um fio no começo da noite de terça-feira. Por volta das 20h, coube a uma transtornada assessora dar fim a uma longa espera. "O Buani conseguiu os cheques", disse ela. Rodeado de advogados e assessores, Severino sentiu o golpe. Abaixou a cabeça, fitou o chão e não respondeu. O silêncio tomou conta da ampla sala.

A estratégia de defesa começou a ser elaborada naquela noite. Minutos depois de receber a notícia da existência do cheque, Severino ainda teve ânimo para jantar ao lado de constrangidos assessores, mas permaneceu mudo. Acabou rapidamente a refeição e se trancou no escritório da casa, acompanhado do seu principal advogado, José Eduardo Alckmin. Discutiu sua defesa jurídica até altas horas.

Divulgada ontem, a defesa diz que em vez de mensalinho, os R$ 7,5 mil seriam um empréstimo para a campanha do filho de Severino em 2002. Severino José Cavalcanti Ferreira Júnior foi candidato a deputado estadual em Pernambuco e declarou ao Tribunal Regional Eleitoral ter recebido apenas R$ 1 mil de doação - e dele mesmo. Júnior morreu, mas com a explicação do pai teria cometido o crime de caixa 2.

A estratégia de Severino é a mesma dos políticos acusados de receber o mensalão: transformar o pagamento de propina em caixa 2 de campanha. Caso o plano dê certo, a cassação do presidente da Câmara seria condicionada ao destino dos 17 deputados que serão julgados pelo Conselho de Ética.

Eles também alegam que o dinheiro recebido do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza seria para o pagamento de dívidas de campanha. Ao seguir esse raciocínio, Severino transformou o empresário Sebastião Buani, que lhe deu o cheque, em seu Marcos Valério particular.

Na manhã de ontem, antes de divulgar a versão do crime eleitoral, Severino conseguiu acordar às 7h, como de costume. Mas quebrou uma liturgia que estabelecera desde o começo do mandato como presidente: tomar café da manhã com funcionários do gabinete. Não havia clima.

Em meio aos assessores e advogados, uma presença se destacava. Era Gabriela Kênia Martins. Junto ao chefe, ela esperava, nervosa, a entrevista coletiva de Sebastião Buani. Assim que o empresário distribuiu cópia do cheque, Gabriela e Severino se fecharam num quarto da casa. A conversa durou até a hora do almoço.

Enquanto isso, a Polícia Federal procurava pela secretária na casa dela, na cidade satélite de Sobradinho, do outro lado de Brasília. A busca da PF era justificada. Kênia mentira em seu depoimento, alegando desconhecer a existência do cheque que, na manhã de ontem, mostrou sua assinatura.

O presidente da Câmara ainda insistia com os assessores em presidir a sessão para votar o pedido de cassação do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). "Eu prometi", repetia Severino, para desespero dos assessores. No final, foi convencido de que seria massacrado se tentasse presidir a sessão.