Título: O teatro moderno de Roberto Jefferson
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2005, Nacional, p. A9

Era um teatro. No auge da ação. Era o suspense total na Câmara e no País. Dava pra ouvir o silêncio dos inocentes e dos culpados. Quem era ladrão ou honesto ali na platéia? Teatro da crueldade, onde os espectadores poderiam ser assassinados ou apontados pelo Ricardo III, vociferando. Alguma verdade insuportável poderia aparecer ali, diante do Brasil, temiam todos. Isso conferiu ao depoimento de Jeff uma espantosa verossimilhança ("suspension of disbelief").

E ele foi impecável como ator e autodefensor. Encontrou o melhor caminho de defesa para sua estranha trajetória: cooptar o Congresso como vítima de uma armação do governo e do PT. A Casa devia voltar seus olhos para o Imperador, para o Executivo, e não para os pobres legisladores, clamava.

"O Parlamento não pode se ajoelhar!" - verberou Jeff para o Parlamento ali, na dúvida do voto se Jeff era herói ou vilão. Esse é o grande dilema brasileiro - Jeff é um crápula ou um Catão? Um canalha ou um reformador de costumes?

Sem as filigranas éticas, sabemos que o povo ama o Jefferson. E Jeff continuou, com suas pausas ousadíssimas que nem Paulo Autran ousaria: "Temos de puxar a barba do bode... e o bode está no Planalto! Onde estão os homens que mandaram o dinheiro para o mensalão? O Marcos Valério trabalhava para nós? Não. O Valério era o enviado de Dirceu e de Genoino!"

A sessão da Câmara foi um momento histórico; parecia o velho estilo da solenidade Imperial, como no tempo de Zacarias de Góes. A retórica gongórico-brega, épico-demagógica triunfou no plenário.

Jefferson falou em "rufiões da pátria" e em "proxenetas da República", com o dedo erguido como um Cícero acusando "catilinas"socialistas.

E Jeff foi além: chamou o Lula de "Genoino do Planalto", que nunca vira nada mas assinou tudo. Chamou Lula de "preguiçoso e de malandro", fugindo da responsabilidade de chefe.

E aí, mais uma vez, Jeff estava certo, aí ele segurou a "barba do bode", sim. Pela via da mentira original, Jeff reafirmou esta verdade: o grande desvio desse escândalo todo é o Planalto camuflado, intocado, com Lula, Gushiken, todos escondendo sua responsabilidade.

É verdade, sim, que o Planalto é muito mais responsável por tudo isso que o Congresso, que o Planalto é o corruptor ativo do Congresso e corrompido-passivo de si mesmo, através dos agentes que nomeou nas estatais, fundos de pensão, agências, bancos até chegar na lavanderia de Valério.

Tudo que foi urdido na psicose "revolucionária", antidemocrática, anti-republicana do PT/Governo é o que provocou este maremoto institucional.

E aí, Jefferson fica até muito "moderno", pois ele criou uma crise filosófica no Parlamento e na mídia: canalha ou herói?

Ele não é nem só canalha, nem só herói. Ele é uma mistura das duas coisas, ele tem um conceito contemporâneo de "personalidade", um Sujeito que não se pauta por uma só definição. Jeff é mistura de verdade e de mentira que os políticos tradicionais não suportam, pois tanto direita e esquerda querem um maniqueísmo.

Jeff criou uma crise ética no País: o Bem ou o Mal? A moderna psicologia chega em Brasília, finalmente. Afinal, é um progresso científico.