Título: Jefferson canta e fica com a família antes de ir a plenário
Autor: Christiane Samarco
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2005, Nacional, p. A10

Roberto Jefferson, o homem que denunciou o mensalão, provocou a maior crise no governo e ajudou a empurrar para baixo a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi sentenciado ontem pelas suas próprias palavras. Presidente licenciado do PTB, passou o dia mais importante de sua carreira política - seis mandatos como deputado eleito pelo Rio - em casa, acompanhado de familiares e poucos assessores, tentando tocar a vida dentro da normalidade.

Acordou às 6 horas, fez alongamento debruçado em uma das janelas do apartamento funcional, na 302 Norte, seguido por muitos exercícios de relaxamento e teve mais uma aula de canto. No repertório, músicas italianas. Foram várias (entre elas Te voglio tanto bene, Santa Lucia e Champagne) e puderam ser ouvidas por quem passava em frente ao edifício durante boa parte da manhã.

Tentou demonstrar tranqüilidade e bom humor. Mas logo após terminar a aula de canto - seu principal hobby - desabafou: 'Não vejo a hora que tudo isso acabe'. À beira da guilhotina, Jefferson recebeu centenas de e-mails e telefonemas. Atendeu a apenas alguns deles, selecionados por seus assessores.

CHORO

O autor da denúncia que pôs fogo no Congresso chorou. Várias vezes. 'Muita emoção. Foram várias palavras de apoio', contou um dos colaboradores.

A notícia mais feliz do dia veio no início da tarde, poucos minutos antes de Jefferson iniciar seu ritual para seguir rumo ao Congresso. Recebeu um convite da gravadora PBA Records para gravar um CD com músicas napolitanas. Adorou a idéia.

Mesmo com o stress emocional vivido desde maio - quando o ex-chefe dos Correios Maurício Marinho foi flagrado recebendo propina e disse ser a mando de Jefferson -, tentou não pensar na sessão da Câmara, nem no futuro. Procurou evitar o assunto. Não usou uma só vez a palavra cassação. Passou o dia com camisa da seleção brasileira, jogging e tênis. 'Foi a melhor aula dele.

Apesar de toda a expectativa, se concentrou e me surpreendeu. Melhorou em termos vocais e também na interpretação', comentou a pianista Kátia Almeida - uma das professoras de música de Jefferson -, horas depois de ter saído do apartamento dele.

A outra professora, esta de canto, Denise Tavares, também destacou o equilíbrio do petebista ontem. 'O discurso da vida', nas palavras da primogênita, Cristiane Brasil - vereadora pelo PTB no Rio -, vinha sendo pensado há dias. Mas começou a ser rabiscado apenas às 14h30 de ontem, depois do almoço (arroz, feijão, frango, bolo de batata recheado com carne, angu com jiló e salada - ele dispensou um dos doces favoritos: bombom com licor de cereja), exatamente uma hora e 30 minutos antes do início da sessão.

À mão, em folhas de almaço, escreveu tópicos do pronunciamento. Foram três laudas. Às 15h38, foi se arrumar. Escolheu terno preto e gravata dourada com detalhes pretos, dando mostras da seriedade do momento.

Deixou o quarto, rezou e saiu às 16h12. Levou a mulher, Ana Lúcia, e a filha Cristiane. E a certeza de que o destino já estava traçado.