Título: Pergunta sobre corrupção irrita presidente nos EUA
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2005, Nacional, p. A16

Sentado ao lado de representantes do Chile, França, Espanha e Alemanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve de passar pelo constrangimento de responder a uma pergunta sobre corrupção no governo durante entrevista para anunciar a declaração do grupo que apóia a iniciativa batizada de Ação Contra a Fome e a Pobreza. 'A corrupção é um mal no Brasil, no planeta e em qualquer lugar que tenha um ser vivo', afirmou Lula. O presidente não escondeu a contrariedade com a pergunta - feita por um jornalista brasileiro, que quis saber como um governo enfrentando uma crise política tão séria, com denúncias de corrupção, poderia convencer outros países a se juntar a ele no combate à fome.

Foi neste momento que Lula comparou a corrupção a um mal generalizado. 'Entretanto, nem a corrupção nem a instabilidade política podem ser razões para que não se tenha uma política de combate à fome eficaz', insistiu.

PRISÃO

Lula citou indiretamente a prisão do ex-prefeito Paulo Maluf - acusado de formação de quadrilha e evasão de divisas - para argumentar que 'nunca se apurou tanto' no Brasil. 'Pessoas que estavam em liberdade e que ameaçavam ser presas há 20, 30 anos agora estão presas', disse o presidente.

Em seguida, Lula tentou justificar por que as investigações envolvendo corrupção demoram tanto para mostrar resultados concretos. 'Entre prender um corrupto ou dez corruptos e devolver o dinheiro para a sua finalidade há uma diferença muito grande', observou.

Estavam à mesa com Lula o presidente do Chile, Ricardo Lagos, o primeiro-ministro da França, Dominique Villepin, o presidente do governo da Espanha, José Luís Zapatero, e o assessor de políticas externas e segurança da Alemanha, Bern Muetzelurg. O mal-estar com o tema corrupção foi geral, mas Lagos tomou as dores de Lula. 'Não me digam que por causa de corrupção em algum país não podemos fazer nada', protestou.

TAXA

Antes da pergunta incômoda, o presidente Lula havia destacado que a marca de seu governo é a seriedade. A referência foi feita logo na abertura da entrevista, quando ele confirmou que pretende criar uma taxa sobre passagens aéreas para formar um fundo de combate à pobreza no mundo.

Lagos também disse que, a partir de janeiro de 2006, o Chile cobrará US$ 2 sobre cada bilhete aéreo internacional. 'Nós só iremos convencer um cidadão do mundo desenvolvido a dar uma parte de seus ganhos, do seu próprio salário, para ajudar uma pessoa mais pobre se ele souber que o governo daquele país é sério (...) e que os recursos são aplicados para o bem comum da coletividade, e não para poucos', comentou o presidente.

NECESSITADOS

Lula apressou-se a dizer que os recursos arrecadados com a taxação de passagens aéreas não deverão ficar em território brasileiro. 'Um país como o Brasil não precisa desse fundo. É para ajudar os países pobres e necessitados', observou.

Em seguida ele responsabilizou governos anteriores pelos problemas que o Brasil enfrenta. 'Não há razão para um país do tamanho do Brasil, com o seu potencial de riqueza, ter fome. Mas não vamos resolver em apenas quatro anos os problemas criados em 500 anos por quem governou o Brasil antes de nós', insistiu.

Na declaração final, o comitê formado por Brasil, França, Espanha, Alemanha, Chile e Argélia - que não mandou representante para o encontro - conclamou os países desenvolvidos a destinarem 0,7% de seu Produto Interno Bruto (PIB)até 2015 às nações mais pobres.