Título: Lamy: País tem de fazer concessões
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2005, Economia & Negócios, p. B7

O novo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, colocou mais lenha no debate iniciado no Brasil sobre a proposta do Ministério da Fazenda de promover cortes profundos nas tarifas de importação para bens industriais. Ele disse que o País terá de fazer esforços nesse setor. Na linguagem diplomática significa estar pronto para concessões em áreas sensíveis. Os países têm menos de três meses até a reunião ministerial de Hong Kong para fechar acordo sobre o ritmo de cortes de barreiras em setores como agricultura, bens industriais e serviços. Enquanto países emergentes insistem por maior acesso a mercados no setor agrícola, as economias ricas alertam que cobrarão o preço no setor industrial. Sem corte nas tarifas de bens manufaturados em países como Brasil, Índia, Egito e África do Sul, os ricos dificilmente farão concessões.

No Brasil, o Ministério da Fazenda circulou uma primeira proposta de corte de 35% para cerca de 10% nas tarifas industriais, provocando reações em vários setores industriais e até de trabalhadores. Ontem, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC enviou carta ao ministro Antonio Palocci criticando a intenção de corte de tarifas. O presidente da entidade, José Lopez Feijóo, disse que a categoria "não admite a abertura indiscriminada de forma unilateral, sem negociação com trabalhadores e empresários. A construção de uma sociedade, na perspectiva do desenvolvimento econômico e social, deve estar vinculada à elaboração de propostas que eliminem impactos negativos das políticas a serem adotadas, especialmente por meio de acordos que estabeleçam metas e mecanismos que permitam aos setores econômicos e aos trabalhadores o devido tempo para se preparar para as mudanças planejadas."

Lamy alertou que o Brasil também terá suas responsabilidades e deveres nas negociações. "Sabemos que o Brasil é ofensivo no setor agrícola, mas há outros setores em que terá de fazer esforços." Segundo ele, a decisão que o País tomar será acompanhada de perto por outros países. "O Brasil deve fazer sua parte. O País tem papel importante nas negociações, pois é um dos elefantes do comércio internacional e faz parte do G-20 (grupo de países emergentes). Por isso, seu perfil no processo é central", afirmou.

Para analistas, a avaliação de Lamy é uma forma de dizer que o Brasil pode não conseguir abrir mercados agrícolas se não demonstrar disposição em abrir seu mercado para os interesses de países ricos.

Esse argumento já foi usado em negociações nos anos 80 e 90. "Quantas vezes teremos de pagar?", questiona um negociador. Lamy admitiu que há regras na OMC "injustas" aos países em desenvolvimento, mas lembrou que é por isso que a negociação está ocorrendo.

A posição de Lamy tem respaldo no Brasil. O presidente da Associação Brasileira de Importadores de Veículos (Abeiva), André Carioba, defendeu redução de impostos para automóveis, posição contrária à das montadoras instaladas no País, que temem não estarem preparadas para a concorrência principalmente das fabricantes asiáticas. "O Brasil precisa vender para o resto do mundo e precisa estar aberto para receber dos outros".

Carioba acredita que a indústria brasileira só conseguiu ser competitiva após a abertura do mercado, no início dos anos 90. "Se não houver nova pressão tecnológica de fora, o Brasil poderá entrar de novo em um mundo mais atrasado do que nos anos 70 e 80." Hoje, os carros importados respondem por 4% do mercado brasileiro.