Título: Construção pesada vai ao exterior
Autor: Renata Veríssimo
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2005, Economia & Negócios, p. B1

A queda nos investimentos públicos nos últimos anos está levando as empresas da área de construção pesada a buscar novos clientes, já que é cada vez mais reduzida a participação do setor público no faturamento anual. O mercado privado e as obras no exterior têm sido a saída para garantir a expansão dos negócios. Os empresários observam que a necessidade de o País obter superávits primários acima de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos anos tem diminuído o fôlego do governo federal para novos investimentos. E, no caso dos Estados e municípios, a avaliação é que a renegociação das dívidas com a União diminuiu a capacidade de endividamento dos governos.

O diretor do Grupo Odebrecht, Irineu Meireles, informou que 80% do faturamento da construtora vem hoje de obras no exterior. 'Graças a essa política, temos mais tranqüilidade para operar a área de engenharia', observou.

Outra gigante do setor, a Andrade Gutierrez, garantiu apenas 20% do faturamento no ano passado com execução de obras públicas. 'Estamos buscando alternativas no mercado privado e no exterior. Procuramos mercados estáveis e com garantias para os nossos projetos', disse o diretor-executivo de Relações Institucionais da Andrade Gutierrez, Flávio Machado Filho.

Os dados do Ministério do Planejamento mostram que nos últimos anos a ampliação de investimentos públicos tem ocorrido principalmente nas estatais. Este ano, estão previstos investimentos de R$ 14,1 bilhões no Orçamento da União e R$ 25,4 bilhões das estatais. Para 2006, os recursos fiscais ficam praticamente estáveis, em R$ 14,7 bilhões, enquanto os investimentos das estatais devem atingir R$ 30,7 bilhões. O secretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos, Ariel Pares, destaca que os investimentos do orçamento cresceram neste ano, graças ao Projeto-Piloto de Investimentos (PPI), negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O acordo possibilitou a inclusão de mais R$ 2,8 bilhões no orçamento de 2005 e de R$ 3,3 bilhões no de 2006. Esses recursos serão destinados a obras de infra-estrutura e não serão contabilizados para efeito de ajuste fiscal. O secretário admitiu, no entanto, que os superávits primários altos e o crescimento das despesas obrigatórias - como pessoal e gastos com saúde - inviabilizam o crescimento real dos investimentos. 'Continuam as dificuldades para encontrar recursos para investimentos, mas é preciso considerar o esforço do governo para encontrar outros meios, como o PPI', afirmou.

Ele garantiu que, superadas as dificuldades iniciais de implementação do PPI, todos os recursos destinados ao projeto este ano serão aplicados. No total, devem ser investidos R$ 3,3 bilhões (a suplementação de R$ 2,8 bilhões e outros R$ 500 milhões que já estavam no orçamento para obras de infra-estrutura). Segundo Pares, apenas R$ 820 milhões ainda não foram empenhados. Desse total, explicou, R$ 380 milhões vão para recuperação de rodovias, R$ 220 milhões serão usados nas obras de construção dos metrôs de Salvador e Fortaleza e o restante, na modernização do sistema alfandegário da Receita Federal. 'A nossa expectativa é não ter sobra no PPI este ano', afirmou.

QUEIXAS

A baixa execução dos valores previstos no Orçamento da União é uma das principais queixas das empresas. Em 2004, foram gastos R$ 8,6 bilhões dos R$ 10,8 bilhões previstos. 'Há 15 anos, quase 100% do faturamento das construtoras vinham do governo', lembrou o vicepresidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Ralph Lima Terra. 'A cada ano, o Estado tem menos recursos para investir em infra-estrutura. Esse ano pouca coisa vai acontecer', previu.

No ano passado, 47% do faturamento da Andrade Gutierrez vieram de obras fora do País, 33% do mercado privado nacional e 20% dos três níveis de governo. Para 2005, a empresa espera uma recuperação na participação do setor público, atingindo 31% das receitas da empresa, graças à prioridade dada às grandes obras pelos Estados de São Paulo e Minas Gerais.Ainda assim, o setor privado ficará com a maior fatia: 38,82%. Os gastos da União devem representar apenas 5% do faturamento em 2005. 'Acreditamos que, com a estabilização, o governo inicie a retomada do investimento por meio de uma agenda positiva que priorize a infra-estrutura', disse o diretor da Andrade Gutierrez.