Título: Casuísmo protege ministros dos tribunais
Autor: Aloisio de Toledo César
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2005, Espaço Aberto, p. A2

O Congresso Nacional está em via de concretizar uma das maiores barbaridades jurídicas de todos os tempos: por decisão do Senado, foi aprovada dias atrás uma emenda constitucional que permite aposentadoria compulsória aos 75 anos somente para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos demais tribunais superiores, inclusive o de Contas. Seu Zé marceneiro, que trabalha na Secretaria da Fazenda e está para completar 70 anos, mas gostaria de continuar na ativa, não será beneficiado pela emenda. O motorista Oswaldo, dos extintos Tribunais de Alçada de São Paulo, ganha horas extras graças ao fato de estar na ativa.

Mas ele e o seu Zé são reles cidadãos e, por isso, o Senado não se dignou a olhar para eles, nem para outros milhões de brasileiros que se encontram na mesma situação jurídica, ou seja, às vésperas dos 70 anos.

Os senadores da República se ocuparam de beneficiar, unicamente, os ministros dos tribunais superiores.

Nem mesmo o general Garrastazu Médici, naqueles tempos em que externava grande horror pela democracia, teve coragem de estabelecer uma desigualdade tão gritante entre cidadãos brasileiros.

O pior é que isso ocorre num momento em que o presidente Lula se encontra enfraquecido no Congresso Nacional e mais enfraquecido ainda ficará, porque a decisão lhe retira o direito de nomear os ministros de tribunais superiores que substituiriam os que se aposentariam no ano que vem, no curso de seu mandato.

Curiosamente, a decisão do Senado atira para a vala comum os demais brasileiros. O direito de se aposentar aos 75 anos fica conferido desde já só aos ministros; quanto aos cidadãos comuns, uma lei complementar cuidará disso, sabe lá Deus quando.

Para os ministros, a vantagem; para os demais, os "desiguais", a lei.

A emenda constitucional ainda terá de passar pela Câmara dos Deputados. É surpreendente que tenha partido de pessoas que deveriam ter um mínimo de pudor no momento de cuidar de interesses dos poderosos.

Da forma como se encontra desmoralizada a Câmara dos Deputados, não será surpresa se a mesma canção for entoada. Há motivos considerados superiores para tanto - e um deles seria a anunciada pretensão do ministro Jobim, do STF, de concorrer à Presidência da República. Ele nunca externou tal pretensão de público, mas, se for verdade, é forçoso que se lhe reconheça esse direito.

Com a aprovação da emenda que permite a aposentadoria aos 75 anos, mesmo que não concorra desta vez, ainda ficará no poder por mais algum tempo, quem sabe com tempo ainda para outra tentativa.

Cícero, no Fórum romano, diante de situações como a presente, perguntava: "Cui prodest?" Enfim, a quem interessa? A resposta serve para impor uma sombra negra sobre o Senado e sobre os tribunais superiores, justo ali, onde estão os representantes dos Estados e de onde deve partir a justiça.

Lembro que sou a favor da aposentadoria aos 75 anos, já a defendi em outro artigo aqui, no Estado, mas ainda estou longe de ser alcançado pela atual compulsória. Só bato na mesma tecla por verificar que excepcionais professores da Universidade de São Paulo e outras públicas do País, cientistas, promotores de Justiça, procuradores, delegados, magistrados e, enfim, os servidores públicos em geral estão chegando inteiros aos 70 anos e são forçados à compulsória, onerando a Previdência Social e sendo atirados para o lixo.

Uma outra discriminação odiosa, desta feita contra advogados e promotores públicos, ganha expressão no STF. Reforma imposta pela Emenda Constitucional