Título: A agência da aviação civil
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2005, Notas e Informações, p. A3

O projeto de lei de autoria do Executivo que cria a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em substituição ao Departamento de Aviação Civil (DAC) teve uma acidentada e demorada tramitação de cinco anos, no Congresso. Aprovado na Câmara, deveria sofrer emendas no Senado, o que remeteria o projeto de volta à Casa de origem. No mês passado, no entanto, o governo saiu de sua letargia e pressionou o Senado para que aprovasse o texto rapidamente, sem emendas, comprometendo-se a fazer algumas modificações posteriormente, por meio de medida provisória. A pressa, para todos os efeitos, teria sido ditada pela necessidade de incluir na proposta orçamentária enviada ao Congresso, no último dia de agosto, as dotações necessárias para o funcionamento da agência, já em 2006. Na verdade, o governo estava sendo pressionado por organismos internacionais de transporte aéreo para que a homologação dos aviões fabricados pela Embraer, hoje feita por um instituto vinculado ao Centro Técnico Aeroespacial, passasse a ser atribuição do organismo regulador da aviação civil, como manda a norma internacional. Em novembro, os acordos de reciprocidade - inclusive com os Estados Unidos e os países da União Européia -, que permitiam que a homologação fosse feita pelo Instituto de Fomento e Coordenação Industrial, poderiam ser denunciados, o que prejudicaria as vendas da Embraer ao exterior.

Os problemas que o governo terá de sanar no projeto aprovado pelo Congresso, por veto ou medida provisória, são de pouca monta. Espera-se, por exemplo, que o presidente da República vete o dispositivo que fixa em cinco anos o prazo para que os militares que servem no DAC - uma organização militar que funciona como órgão regulador da aviação civil - retornem às suas unidades de origem. É, de fato, necessário que a Anac seja um organismo eminentemente civil, com quadros técnicos e de direção civis, ainda que vinculado ao Ministério da Defesa, mas uma transição brusca prejudicaria a continuidade dos serviços, há mais de meio século conduzidos pela oficialidade da Força Aérea. Outra mudança, a ser feita provavelmente por medida provisória, enquadrará o pessoal da Anac no Estatuto do Funcionário Público, e não na CLT, como dispõe o projeto aprovado. Essa alteração se fará em obediência à decisão já tomada pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao funcionalismo das agências reguladoras.

O problema com o texto aprovado é que ele carrega algumas impropriedades conceituais que o governo do PT tentou introduzir na regulamentação de todas as agências reguladoras. Não pôde mudar aquelas que já estavam em funcionamento, mas tratou de embuti-las na Anac. As agências reguladoras devem ser, por definição, independentes do Poder Executivo para que possam executar, sem as interferências provocadas por mudanças periódicas de governos, as políticas aprovadas pelo Congresso. Ora, pela lei que criou a agência reguladora da aviação civil, a Anac fica subordinada ao Conselho de Aviação Civil (Conac), um órgão controlado pelo Executivo. Devendo "observar e implementar orientações, diretrizes e políticas estabelecidas pelo Conac", a agência ficará ao sabor das mudanças de orientação do Conselho - daí não se poder dizer que a Anac terá a necessária independência para regular e fiscalizar as atividades do setor. Além disso, a diretoria da Anac poderá ser demitida se não cumprir determinação do Executivo, o que reforça a sua dependência. Esse dispositivo é mais indigesto do que o aventado quando a Casa Civil pretendeu encilhar as agências reguladoras, obrigando-as a assinar uma espécie de contrato de gestão que, na verdade, as transformava em meros feudos dos ministros de Estado.

O projeto de criação da Anac, aprovado pelo Congresso, tem outros defeitos graves. Um deles é a previsão de que os contratos de concessão de serviços aéreos com vencimento anterior a 31 de dezembro de 2010 ficam prorrogados até aquela data. Com grandes transportadoras em crise - duas delas inoperantes e uma lutando pela sobrevivência -, a prorrogação automática das concessões por cinco anos sinaliza a manutenção de uma estrutura que já se mostrou incapaz de sustentar a indústria. E, num paradoxo que revela viés intervencionista, o projeto consagra o regime de liberdade tarifária, exceto quando houver "aumento abusivo" das tarifas. Havendo liberdade tarifária, o que é um aumento abusivo?