Título: Problemas com países vizinhos devem continuar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2005, Internacional, p. A11

O primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi, prometeu reformas durante sua vitoriosa campanha eleitoral, mas há algumas coisas que provavelmente não mudarão - as relações atribuladas do Japão com seus vizinhos asiáticos e seus fortes laços com os Estados Unidos. O Partido Liberal Democrático, de Koizumi, fortaleceu sua maioria na poderosa Câmara Baixa do Parlamento, o que dá ao primeiro-ministro um poderoso mandato para executar seu plano de dividir e vender o correio e os serviços de seguro e poupança que integram o sistema postal. O enfoque obstinado de Koizumi na reforma postal deixou de lado a discussão da política externa, a despeito de sua crescente importância no momento em que o Japão assume um papel diplomático e militar mais determinado. Este ano, as relações entre a China e o Japão afundaram para seu nível mais baixo em décadas. O sentimento antijaponês ainda é forte na Coréia do Sul e os esforços para resolver os casos dos cidadãos japoneses seqüestrados pela Coréia do Norte estão emperrados.

Nesse ínterim, o Japão intensificou a cooperação com os Estados Unidos, fornecendo apoio logístico no Afeganistão e enviando soldados em missão humanitária para o Iraque, apesar das fortes reservas da opinião pública.

"A política externa do Japão está em crise, mas não tem havido absolutamente nenhum debate sobre isso", assinalou Yoko Kitazawa, uma especialista independente em relações internacionais . "Koizumi não está pensando em nada a não ser na reforma postal - não está pensando na China, nem na Coréia e nem no problema dos seqüestrados", acrescentou Yoko. "Isso sim que é assustador."

As relações espinhosas de Tóquio com seus vizinhos, particularmente com Pequim, são uma crescente preocupação econômica, assim como política, na Ásia, desencadeando ansiedades de uma competição crescente entre o Japão e a China em relação a questões como influência regional, recursos naturais e segurança.

Em abril, irromperam violentos protestos em cidades chinesas porque o ministro japonês da Educação aprovou um livro didático de história que os críticos dizem que ignora as atrocidades cometidas pelo Japão durante sua conquista do leste da Ásia nas décadas de 1930 e 1940.

As manifestações violentas contra os japoneses ocorridas na China foram o auge das tensões entre as duas potências asiáticas, já exacerbadas pelas repetidas visitas de Koizumi ao santuário de Yasukuni, que celebra criminosos de guerra executados ao mesmo tempo em que homenageia os 2,5 milhões de japoneses mortos na 2.ª Guerra Mundial.

Koizumi tem se recusado a dizer se vai continuar a fazer essas visitas - ele já fez quatro visitas desde que se tornou primeiro-ministro, em 2001, a última delas em janeiro de 2004.

O futuro do Japão no Iraque também não foi discutido na campanha. Enquanto a oposição prometia retirar os 550 soldados japoneses que estão na cidade sulista iraquiana de Samawah no final do ano, Koizumi não se pronunciou a esse respeito.

Mas é evidente que o primeiro-ministro dará continuidade ao caminho que escolheu na esteira dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos EUA - o de ficar ao lado de Washington como seu aliado número 1 da Ásia.

"A vitória de Koizumi agora significa que, mais do que nunca, o Japão receberá ordens dos Estados Unidos no que diz respeito a sua política externa, incluindo a manutenção de soldados no Iraque", afirmou o analista político Minoru Morita. "O Japão se permitirá virar parte integrante da estratégia militar global dos Estados Unidos", acrescentou.

EMENDA CONSTITUCIONAL

Entretanto, Koizumi parece ter retrocedido em relação a uma de suas metas - fazer uma emenda na chamada "Constituição da paz", elaborada por autoridades americanas depois da 2.ª Guerra Mundial, para modificar a cláusula que impede o Japão de promover ação militar no exterior. Essa medida é contestada pelo seu parceiro na coalizão, o Novo Komeito, e Koizumi declarou ontem à noite que não lhe restava tempo suficiente no cargo para conseguir isso. Ele confirmou que pretende deixar o cargo em setembro de 2006.

"Não foi possível", declarou Koizumi a respeito da emenda constitucional. "Isso não pode ser feito somente entre o Partido Liberal Democrático e o Novo Komeito, precisamos de uma discussão mais ampla, também com os democratas, e isso não pode ser feito em apenas um ano", acrescentou o primeiro-ministro.

Ao mesmo tempo, a campanha de Tóquio para conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas perdeu fôlego, em parte por causa da oposição da China. Os EUA deixaram claro que, embora apóiem as pretensões do Japão, a reforma geral da ONU é uma prioridade maior do que a expansão do Conselho de Segurança.