Título: 'O réu confesso está solto e eu na prisão', protesta Maluf
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2005, Nacional, p. A9

Paulo Maluf, na prisão federal, diz que é inocente, que não conhece seu delator - o doleiro Birigüi -, que não praticou crime algum, que é democrata, que respeita o Estado de Direito, que está vivendo provações e que tem passado "noites sofridas". Acusado pela Procuradoria da República por crime contra o sistema financeiro (evasão de divisas), formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-governador de São Paulo teve sua prisão decretada pela Justiça na tarde de sexta-feira.

Algumas horas depois, no início da madrugada do sábado, ele se apresentou espontaneamente à Polícia Federal, acatando decisão da juíza Silvia Maria Rocha. Titular da 2.ª Vara Criminal Federal, Silvia Rocha mandou prender Maluf e o filho mais velho dele, Flávio, diretor-presidente da Eucatex.

Ocupa uma sala acanhada no terceiro andar, sem grades, isolado dos outros prisioneiros - traficantes e contrabandistas, réus como ele -, mas sob vigilância permanente dos agentes de plantão na Custódia da PF.

A primeira noite ele dormiu no chão, acomodou seus 74 anos no colchonete medíocre que um advogado levou. A segunda, deitou-se em uma cama que os federais lhe permitiram usar. Pediu um aparelho de TV.

Leu os jornais do domingo. "Injustiça", ele repete. "O réu confesso está solto e eu na prisão."

O réu a que Maluf se refere chama-se Vivaldo Alves, o Birigüi, doleiro que admitiu ser o operador da conta Chanani, no Safra National Bank de Nova York. Por essa conta passaram US$ 161 milhões supostamente desviados dos cofres públicos.

A Chanani, sustentam a PF e os promotores, serviu para pagar contas pessoais dos Maluf no exterior e captou recursos que saíram da Ilha de Jersey, paraíso fiscal do Canal da Mancha.

Ele se diz convencido de que caiu em uma "armadilha". Durante 3 meses, entre junho e agosto, a Operação Hércules, da Polícia Federal, monitorou seus passos e seus contatos. Os telefones de Maluf e os de seu filho mais velho foram grampeados, com anuência da Justiça.

A interceptação flagrou diálogos intrigantes e reveladores entre pai e filho, e também entre Flávio e o doleiro. Os federais filmaram encontro do empresário com Birigüi.

Por escrito, Paulo Maluf concedeu entrevista ao Estado. De punho próprio, preencheu 3 folhas de papel almaço. Respondeu sobre a acusação que o levou para a cadeia e sobre seu futuro político. Algumas respostas evasivas, outras enfáticas. "Não fiz nada de errado", é a linha de sua defesa.

Nega o saque ao Tesouro, nega ter intimidado testemunhas, nega ter ocultado provas. Bate na versão de que está servindo de "cortina de fumaça para encobrir as maracutaias de Brasília", uma alusão ao mensalão que assombra o Palácio do Planalto.

Encurralado, longe de sua cidadela - o tradicional escritório da Avenida Europa - e do esplendor de seu teto - a mansão da Rua Costa Rica -, pela primeira vez deixou de lado o discurso loquaz, de eterno candidato. Admitiu o declínio e o choque.

No início da semana passada, ainda em liberdade, havia declarado categoricamente que em 2006 voltaria às urnas, "como candidato".

A prisão pode fazê-lo mudar de idéia. "Essa injustiça representa um abalo pessoal. Esse é um momento de reflexão."

Como o sr. recebeu a notícia sobre o decreto de sua prisão e de seu filho? Quem o avisou?

Como sou um democrata, e haveria a hipótese, vim espontaneamente de Campos do Jordão para São Paulo na noite de sexta para sábado. Já em São Paulo, na Marginal Tietê, soube da decisão judicial. Avisei meus advogados que viria à sede da PF para apresentar-me. Telefonei para meu filho Flávio, que se encontrava no interior, e ele teve a mesma decisão.

Por que o sr. se entregou à PF?

Porque sou inocente, respeito o Estado de Direito e confio que o Poder Judiciário devolverá a Justiça.

A PF usa o sr. como cortina de fumaça para encobrir o impacto do mensalão?

Sim. Estava informado que isso serviria de cortina de fumaça para encobrir as maracutaias de Brasília.

Como foram essas duas primeiras noites na prisão?

Passei as noites sofridas porque sou inocente e com certeza esse mesmo sofrimento acontece com a minha família. A prisão do meu filho Flávio se deu no dia do aniversário de seu próprio filho, meu neto.

O sr. conhece o doleiro Birigüi?

Não conheço. A única coisa verdadeira do depoimento do doleiro, réu confesso e não testemunha, é que ele também não me conhece.

Para a PF, os diálogos que o sr. manteve com Flávio indicam intensa preocupação de sua parte para tentar intimidar testemunhas e ocultar provas.

Em primeiro lugar, Birigüi não é testemunha. É, sim, réu e criminoso confesso. A conta é dele, está em nome dele. E eu repito, não o conheço. E o que ele praticou foi uma tentativa de extorsão, que se transformou numa armadilha devidamente preparada.

O MPF sustenta que a conta Chanani movimentou US$ 161 milhões supostamente desviados dos cofres públicos municipais durante sua gestão (1993-1996). Documentos que a promotoria de Nova York entregou ao Brasil indicam que a Chanani teria sido usada para pagamento de despesas pessoais do sr. no exterior. Como explica isso?

Segundo Birigüi, réu confesso, a conta foi aberta em seu nome em 1997. Meu mandato de prefeito terminou em 31 de dezembro de 1996. Há quase nove anos não exerço cargo público.

Por que o sr. procurou o ministro da Justiça quando estava em liberdade? O que o sr. queria dizer a ele?

Sou um homem público há 38 anos e sem nenhuma condenação penal. Se divulgarem todas as minhas conversas, verificarão que converso com centenas de políticos, inclusive com o ministro da Justiça.

Quem vai administrar seus bens e a Eucatex?

Existe uma diretoria profissional e executiva de total confiança.

A prisão representa um golpe em suas aspirações políticas? O sr. ainda mantém sua disposição de se candidatar nas eleições de 2006?

Essa injustiça representa um abalo pessoal. Esse é um momento de reflexão.

O sr. está arrependido?

Não fiz nada de errado e jamais pratiquei algum crime.

Um pedido à Justiça.

Espero que a Justiça se paute pela lei e não pela pressão de certos órgãos de imprensa. Peço a Deus que continue a me dar forças, assim como à minha família. Para enfrentar essas provações.

O que o sr. quer dizer aos seus eleitores?

Ninguém nesse Estado trabalhou tanto e tão eficientemente em seu favor, como tenho feito. Tenho muito orgulho por tudo o que fiz.