Título: Encontro na ONU deve ajudar pouco o presidente
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2005, Nacional, p. A10

Com seu prestígio global de líder da esquerda democrática ofuscado pela implosão do Partido dos Trabalhadores e a crise de seu governo em meio ao mais extenso escândalo de corrupção política da história do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega amanhã a Nova York para participar de um evento internacional pouco auspicioso para líderes em apuros, necessitados de melhorar a imagem. Planejada anos atrás como um grandioso conclave, a cúpula comemorativa dos 60 anos da ONU pode acabar num colossal desastre diplomático. Quando foi idealizada, a meta era que os governantes de mais de 170 dos 191 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) que confirmaram presença lançariam um ambicioso programa de reformas da organização (inclusive do Conselho de Segurança), e os chefes de governos das nações mais ricas reiterariam o compromisso com o desenvolvimento e as metas de redução da pobreza assumido em 2002.

Hoje, a realidade mostra-se outra, em parte por conta da declaração da reabertura das negociações, provocada pela apresentação de 750 emendas pelos Estados Unidos, há duas semanas.

"Há um enorme risco de fracasso", disse Nicola Reindorp, representante da organização não-governamental inglesa Oxfam da ONU, ecoando advertências feitas nos últimos dias por diplomatas de vários países. Depois de dois anos de preparação e três semanas de intensas negociações, os representantes dos 32 países designados pelo presidente da Assembléia Geral, Jean Ping, do Gabão, continuavam ontem longe de um acordo sobre a declaração política de 46 páginas a ser divulgada no final do encontro.

Numa iniciativa que só não foi tão surpreendente por ser formalizada pelo embaixador norte-americano da ONU, John Bolton - que fez carreira atacando a organização e a chefia da missão de seus país - contestou os objetivos anteriormente acordados para o encontro, sem a aprovação do Senado.

Bolton tentou impor as prioridades de sua agenda internacional, centrada na luta contra o terrorismo e na promoção da versão norte-americana do livre comércio - que consiste na abertura de mercados para empresas americanas e na manutenção das barreiras tarifárias e não-tarifárias e dos subsídios oficiais para os setores protegidos, como a agricultura. A possibilidade de os EUA concordarem em aumentar sua ajuda ao desenvolvimento a 0,7% do PIB (hoje ela é de 0,16%) inexistia antes mesmo de o furacão Katrina arrasar o Golfo do México.

Para complicar, o ex-presidente do Banco Central americano Paulo Vocker censurou o secretário-geral da ONU, Kofi Annam, depois de divulgar, na semana passada, o relatório final sobre o esquema de corrupção no programa Petróleo por Alimentos (que a ONU operou no Iraque antes da invasão dos EUA). Com isso, levou munição aos críticos da organização e comprometeu a credibilidade de Annan para conduzir reformas , às vésperas da cúpula.

Entre os temas que, sabe-se de antemão, não devem decolar na reunião, está a reforma do Conselho de Segurança, prioridade absoluta da política externa de Lula nos últimos dois anos e oito meses. A China e os Estados Unidos vetaram o assunto e as nações em desenvolvimento, que simpatizam com a idéia, não chegaram a um acordo sobre como proceder.