Título: Sem medo de competir
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/09/2005, Notas e Informações, p. A3

O governo brasileiro deve aceitar maior abertura da economia e ser mais audacioso nas negociações da Rodada Doha, patrocinada pela Organização Mundial do Comércio (OMC), segundo o Ministério da Fazenda. Essa opinião contraria a política seguida até agora pelo Itamaraty, mais favorável a uma redução cautelosa das tarifas de importação de bens industriais. A proposta de maior abertura é oportuna, mas foi recebida com críticas por entidades da indústria e por funcionários federais. As principais críticas dos empresários confundem problemas internos com assuntos de comércio exterior. Há pelo menos dois bons argumentos a favor da sugestão da Fazenda. Primeiro, uma abertura maior do mercado pode ajudar a modernização das empresas brasileiras e o crescimento econômico. Reduzir as alíquotas não implica renunciar à defesa contra a concorrência desleal. Os meios de proteção contra subsídios ilegais e dumping continuarão disponíveis e serão usados, como nos países com as tarifas mais baixas, se houver competência no governo.

Em segundo lugar, ofertas mais audaciosas poderão contribuir para o avanço das negociações, pois ficarão condicionadas, em princípio, às contrapartidas apresentadas pelos demais participantes.

Não tem sentido imaginar que os brasileiros possam manter em reserva, por muito tempo, melhores ofertas. O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, já havia admitido, informalmente, que o Brasil e seus aliados terão de fazer um "gesto", em termos de redução tarifária, para obter maiores concessões no comércio de produtos agrícolas. Mas os negociadores do mundo rico sabem disso e é duvidosa a vantagem de retardar esse gesto, especialmente se a oferta finalmente apresentada for muito tímida. Mas dificilmente se poderá evitar a timidez. O governo tende a rejeitar a proposta da Fazenda e ainda precisará combinar a posição do Mercosul, provavelmente ainda mais defensiva.

Igualmente criticável é a insistência da diplomacia em negociar como se o Brasil só tivesse interesses comerciais no agronegócio. O presidente da República e seus conselheiros para assuntos internacionais vivem falando contra atitudes subalternas e complexos de inferioridade. Ora, complexo de inferioridade é negociar como se a indústria só pudesse manter-se atrás de altas barreiras.

Além do mais, ainda restaria uma considerável proteção efetiva. As tarifas máximas de importação, consolidadas na OMC mas não necessariamente aplicadas, cairiam de 35% para 10,5%. A média das tarifas efetivas passaria de 10,77% para 7,39%. Seriam reduzidas 5.480 tarifas aplicadas, 62% das 8.822 consolidadas na OMC.

Segundo porta-vozes do empresariado, o poder de competição da indústria é afetado por fatores fora de seu alcance, como juros elevados, infra-estrutura deficiente, impostos muito altos e real valorizado.

A queixa tem fundamento, mas o remédio não pode ser o protecionismo. Durante décadas, a indústria brasileira confiou no câmbio e nas barreiras para se proteger da concorrência externa. A partir dos anos 80, alguns empresários, prevendo o início da abertura, investiram na modernização produtiva e gerencial. Com a redução das barreiras, outros seguiram esse caminho para sobreviver. Os demais foram arrasados.

Mas faltou cuidar dos problemas externos à empresa. A indústria brasileira ganhou mercados, passou a depender mais da exportação do que dependia até há poucos anos e conseguiu continuar vendendo mesmo com o câmbio valorizado. Mas ainda enfrenta custos financeiros muito altos e impostos excessivos e irracionais, além de não dispor de uma infra-estrutura comparável à de países mais competitivos.

Crédito, impostos e infra-estrutura afetam o poder de competição internacional, mas são problemas internos. São passíveis de solução por mudanças tributárias, por uma revisão do processo orçamentário e por inovações favoráveis à ampliação e ao barateamento dos empréstimos. Brigar pela manutenção de barreiras comerciais é buscar a solução errada, porque o problema é outro. Até o câmbio será menos importante, se aqueles fatores forem corrigidos. É esse o caminho seguido pelos países mais competitivos e isso não depende de uma decisão brasileira.