Título: Para o orgânico deixar de ser só moda
Autor: Claudia Ferraz
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/09/2005, Vida&, p. A24

Antes, comprar aquela cenoura pequenina, torta e cara, ainda que mais saudável, não passava de uma mania de poucas pessoas. Aos poucos, os alimentos orgânicos foram conquistando mais consumidores, gente preocupada com equilíbrio ecológico e também com os assustadores malefícios aventados contra os agrotóxicos e os adubos químicos. A moda pegou e agora, para que deixe de ser apenas restrita a poucos, o governo reuniu três ministérios e lança hoje a 1ª Semana dos Alimentos Orgânicos. O objetivo dos Ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário é incrementar a produção de maneira sustentável e incentivar o consumo.

Até o dia 16, em 17 Estados brasileiros, haverá feiras, degustações, palestras, aulas de culinária e de orientação nutricional e dezenas de promoções em supermercados. 'A campanha pretende mostrar que os orgânicos não são só livres de agrotóxicos, mas também estão em harmonia com o meio ambiente, com a agricultura familiar, além de serem mais gostosos', afirma Paula Galvani, do Ministério do Meio Ambiente.

HAMBÚRGUER ORGÂNICO

Em 2003, o comércio mundial de alimentos orgânicos movimentou cerca de US$ 24 bilhões. O Brasil contribuiu com menos de 1% deste valor. Embora com participação pequena na escala mundial, a renda bruta gerada pela produção orgânica brasileira foi de US$ 250 milhões. As exportações foram de US$ 150 milhões, segundo a Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural.

O coordenador de agroecologia do Ministério da Agricultura, Rogério Dias, considera que o Brasil tem ainda muito o que crescer nesse setor. 'Já temos condições tecnológicas para produzir um produto orgânico de cada um dos produtos convencionais que se encontram hoje no mercado', afirma Dias.

Ele enumera alguns exemplos recentes para demonstrar as possibilidades dos orgânicos. Hoje já existem uma cerveja produzida em Santa Catarina, algodão para fabricar tecidos, cosméticos, achocolatados, queijo de búfala, sucos, vinhos e vinagres, até hambúrgueres e salgadinhos, tudo orgânico.

PREOCUPAÇÃO SOCIAL

Apesar do recente desenvolvimento do setor, ainda há muito o que ser feito. Os próximos passos devem ser o investimento na diversidade e na melhoria da aparência, a certificação e a equivalência dos custos ao alimento convencional. Segundo o diretor de comercialização do Grupo Pão de Açúcar, Leonardo Miyao, o comprador está confuso. 'Temos muitas certificadoras e o consumidor se limita a falar que o orgânico é o alimento que não tem agrotóxico. Temos de divulgar melhor o conceito.'

Nas prateleiras, há opções como cerveja, algodão, cosméticos, achocolatados...

Quem consome orgânicos, por outro lado, considera-se satisfeito com o que compra e se sente sintonizado com o que acredita ser a 'filosofia do consumo de orgânicos'. O produtor cultural Rafael Aranha, de 24 anos, os recebe em casa. 'Eles vêm em uma caixa, que você não é obrigado a devolver, mas todo mundo devolve. Quem consome orgânico tem consciência de determinados conceitos como a reciclagem, por exemplo', diz.

Rafael acha que os alimentos orgânicos são 'bem feinhos, mas deliciosos'. 'Sem dúvida, eu penso na saúde, mas a preocupação social também vale.

Os produtos que eu compro são de uma fazenda que incentiva a juventude', conta.

Algumas certificadoras - as responsáveis por definir se um produto pode ser chamado de orgânico - exigem até que os alimentos não sejam transportados no mesmo caminhão que os convencionais. 'A metodologia de produção vai da semente à mesa. O orgânico é produzido considerando também a pós colheita. Há também controle do solo, rotação de culturas e muitos outros fatores, às vezes encarecedores', explica Miyao.

Durante a produção, atenção ao controle do solo, à rotação da cultura e outros fatores

As expectativas são de que os preços devem cair. 'O custo de produção, com vários detalhes como, por exemplo, o uso de mão-de-obra intensiva, é que leva o preço para cima', afirma Paula Galvani. Segundo ela, hoje a demanda é maior do que a oferta.

Por enquanto, pagar mais caro é uma opção. 'Eu vi no supermercado a patroa reclamando do preço da cebola orgânica para a empregada', contou Rafael. 'Sabe o que a moça respondeu? Que pelo menos ela estava comprando um alimento mais saudável para todo mundo, não apenas para ela.'