Título: ´Topo acareação com Severino, presidente Lula e com quem quiser´
Autor: Luciana Nunes Leal e Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/09/2005, Nacional, p. A10

O empresário Sebastião Buani - que acusa o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PPPE), de ter cobrado propina para dar nova licença de funcionamento para seus restaurantes na Casa - depôs ontem durante três horas e meia à Polícia Federal (PF). Na saída, disse que aceita fazer uma acareação com Severino para provar que está dizendo a verdade. 'Topo acareação com Severino, com o presidente Lula, com quem quer que seja', afirmou. O empresário abriu o sigilo bancário e telefônico voluntariamente. Com isso, pretende provar que falou diversas vezes com Severino pelo telefone, ao longo de 2003, e também espera mostrar alguns saques que fez para pagar as propinas em dinheiro.

Buani espera receber até terçafeira cópias dos extratos de sua conta bancária referentes a 2002 e 2003 para entregar à PF.

O empresário reafirmou que acertou o pagamento a Severino no gabinete da primeira-secretaria e que a negociação foi feita em uma conversa somente entre os dois. Também garantiu que o documento da prorrogação do contrato até 2005 lhe foi apresentado por Severino e assinado pelo deputado. 'Ele assinou o documento na minha presença, no gabinete, e anexou no processo (de concessão dos restaurantes).'

No depoimento, Buani confirmou a versão de que foi obrigado a pagar pela prorrogação dos contratos e só aceitou a extorsão porque tinha o direito de explorar os restaurantes e lanchonetes por mais três anos.

Ele disse que o deputado Gonzaga Patriota mostrou a ele um parecer jurídico que confirmava o direito à concessão até janeiro de 2005. Após reafirmar que foi coagido, Buani afirmou: 'Cumpri meu dever, estou de alma lavada, feliz por ter aberto toda a verdade. Ontem dormi bem pela primeira vez.'

ASSÉDIO

Em entrevista, Buani disse que Severino o assediou mais de um ano, até ser eleito presidente da Casa, no início de 2005. Buani contou que suspendeu o pagamento da propina de R$ 10 mil mensais em setembro de 2003, após 8 pagamentos, mas continuou a ouvir cobranças. 'No primeiro mês, ele foi mais duro. Telefonou para mim e disse: ´Estou esperando aqui, tenho meus compromissos´. Eu falei: ´Calma, estou arrochado´.

Só depois disse que não dava mais para pagar. Ele sempre me cobrava. jogava uma piadinha: ´Os cobradores estão na minha porta, você não gosta de mim?´ Eu respondia: ´Deputado, perdi tudo´. Ele fazia assédio até ser eleito presidente.

Depois disso, só no restaurante uma vez, no café da manhã com a bancada do Nordeste.' Buani deu a entender que um dos motivos que o levaram a suspender os pagamentos foi um ato do presidente da Câmara em 2003, João Paulo Cunha (PT-SP), que dizia que cada empresa poderia ter apenas um restaurante e uma lanchonete na Casa.

Buani, que tinha 4 restaurantes e 7 lanchonetes, perderia boa parte do negócio. 'Aquilo me matou.' Sem a garantia de levar adiante sua rede e depois de conversar com a filha Gisele, que pediu a suspensão dos pagamentos, decidiu não pagar mais Severino. Na véspera, ele não tinha feito referência a este obstáculo.

O empresário disse que jamais fez qualquer outro pagamento a parlamentares e afirmou não ter conhecimento de outros concessionários da Câmara que pagassem propina a Severino. 'Não é uma coisa que os empresários conversem.

Nem minha filha sabia o que eu tinha conversado com ele. Sabia dos pagamentos, mas não dos detalhes', disse Buani.

O empresário queixou-se da Mesa Diretora que, segundo ele, há um mês aprovou o parcelamento de suas dívidas, mas voltou atrás. 'O deputado Nilton Capixaba (PTB-RO) pediu vistas e disse que iam me fritar.

O parcelamento foi cancelado.' Buani passou a manhã no Iate Clube de Brasília, onde reuniu as três testemunhas que apontou na quinta-feira, garçons do restaurante Fiorella que entregaram dinheiro, em envelopes, a secretárias de Severino entre fevereiro e setembro de 2003.

Buani reafirmou que, em abril de 2002, pagou R$ 40 mil a Severino para renovar a concessão de seus restaurantes até janeiro de 2005. No entanto, no fim daquele ano descobriu que a renovação não tinha amparo legal. Negociou, então, um pagamento mensal de R$ 10 mil para a renovação do contrato para o ano de 2003.

Buani disse que continua tentando recuperar o microfilme do único cheque que usou para pagar Severino, em junho ou julho de 2003. Os outros pagamentos foram feitos em dinheiro. Buani contou que foi procurado nos últimos dias por assessores de Severino que queriam saber do cheque. O empresário não se lembra do valor.

A segunda parte da propina começou a ser paga em fevereiro. 'A combinação era pagar enquanto eu estivesse na Câmara', disse. Além da prorrogação do funcionamento, Buani conseguiu aumento de mais de 30% no valor das refeições.

'Ele usou o aumento como justificativa para o mensalinho. No mensalinho estava inclusa a liberação do contrato com o reajuste.' As renovações foram autorizadas em 2002 e janeiro de 2003, quando Severino era o primeiro-secretário da Câmara.

Em fevereiro, a composição da Mesa mudou e Severino passou a ser segundo-secretário.

Buani insinuou que, em janeiro de 2004, perdeu a concessão de um restaurante e uma lanchonete no Anexo 3 da Câmara, além de um restaurante na garagem, em retaliação por ter suspendido a propina.