Título: Uma cidade onde sobram empregos
Autor: Ana Paula Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2005, Economia & Negócios, p. B14

Basta ligar o rádio: " A empresa Lia Line precisa de costureira e acabamentista. Entrar em contato em horário comercial. A Via Scarpa precisa de matrizeiro. Contato pela manhã". Na Rádio Clube, emissora local de São João Batista (cidade catarinense próxima a Nova Trento, terra de Santa Paulina), a programação matinal é entremeada de anúncios como esses. Todos os dias, empresas diferentes anunciam vagas. "Anunciam também trocas esquisitas, como o fulano que quer trocar um cachorro por um guarda-roupa, mas não é isso que interessa, né? Aqui tem emprego sobrando, só não trabalha quem não quer", opina a dona da lanchonete local Ice Beer, Josiane Henrich. Ela veio do Rio Grande do Sul porque o marido conseguiu um emprego de matrizeiro na cidade. "Pagaram melhor e ele veio trabalhar no calçado."

Em São João Batista, quem não trabalha com calçado tem parente que trabalha. "Aqui, 80% da população depende do calçado. Alcançamos o desemprego zero, pois há trabalho para todos os moradores", diz o secretário de Desenvolvimento da cidade, Zilto Vilanova. A região, com 18 mil habitantes, é um dos maiores centros calçadistas do Brasil, depois do Vale do Sinos (RS) e do interior de São Paulo. Para preencher as vagas, as empresas buscam pessoas das cidades vizinhas. Em São João Batista, não há ônibus regulares municipais. Todos os ônibus que passam pelas ruas têm o letreiro "Especial" e levam funcionários de fábricas.

"É mais vantajoso financeiramente manter o ônibus todos os dias do que ficar sem produzir", diz o diretor de Vendas da Calçados Ala, Jonatha dos Santos. No ano passado, ele aumentou a equipe da Ala de 150 para 170 funcionários. Desses, 35 vêm de cidades vizinhas. A acabamentista Grazielli Pereira, por exemplo, sai todos os dias às 5h30 da cidade de Tijucas para estar no trabalho às 7h: "Passam por mim 1.900 sapatos por dia. Adoro o que faço e ganho bem." Um funcionário de chão de fábrica recebe em média R$ 400. Um coordenador de ala pode receber de R$ 800 a R$ 1 mil.

A família Franciskievicz mora em São João Batista, mas veio de mais longe: Parubé, no Rio Grande do Sul. "O salário é melhor e a cidade é muito segura", diz Nelma, a irmã que veio primeiro. Depois vieram outros cinco e hoje todos trabalham na fábrica Ana Paula, que produz 4,5 mil pares/dia. Além dos irmãos, cônjuges de três deles também estão na empresa.

"Muitos gaúchos vieram para suprir a falta de mão-de-obra", diz o secretário Vilanova. "Mas a gente não está estimulando a vinda de mais pessoas porque São João Batista não comporta tanta gente. Não queremos que a cidade inche e a qualidade de vida caia." A idéia dos industriais é capacitar a mão-de-obra existente para aumentar produção e qualidade.

NO PASSADO, AÇÚCAR

A movimentação na cidade começou há cinco anos, quando os produtores atingiram padrões maiores de qualidade e começaram a expor seus produtos em grandes feiras como Francal e Couromoda. "No início, a cidade vivia do açúcar da Usati, usina que chegou a ter 800 funcionários. A fabricação de calçados era apenas uma atividade artesanal", lembra o ex-presidente do Sindicato das Indústrias de Calçado de São João Batista (SincaSJB), Matias Fidélis Angeli. "Mas com o fim do Instituto do Açúcar e do Álcool, em 1990, a usina fechou. A cerâmica, atividade de cidades vizinhas, também estava em crise. A opção para não quebrar foi desenvolver o calçado."

Hoje a capacidade produtiva do pólo é de 60 mil pares/dia. Diferentemente de outros centros calçadistas, a região não sofre efeitos tão violentos da queda do dólar - só 15% da produção vai para fora, para os países árabes, EUA e Chile. Em valor, isso correspondeu em 2004 a R$ 5 milhões. Na semana passada, representantes de nove países árabes visitaram a região. "Os calçados da cidade são competitivos. Buscamos oportunidade de aumentar relações", diz o decano do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil, Musa Odeh.

Os governos municipal e estadual, o SincaSJB e o Sebrae estão investindo no desenvolvimento de um Arranjo Produtivo Local (APL). A cidade já conta com um curtume, 150 fábricas de calçados e 350 ateliês - costureiras, fabricantes de pedrarias e botões. Muitos dos ateliês, porém, são informais, e um dos objetivos do APL será regularizar a situação. Outro objetivo é manter a produção em pelo menos 80% na baixa sazonal (entre as coleções de verão e inverno). "Antes, as fábricas fechavam e demitiam no início do ano. Isso já não ocorre", diz o diretor do SincaSJB, Rosenildo de Amorim. As entidades que apóiam o APL estão organizando para novembro uma rodada de negócios com 100 compradores e estimulam a participação da cidade em feiras. "Desta forma, mantemos a produção aquecida o ano todo." E os ouvintes da Rádio Clube continuarão escutando onde há lugar para trabalhar.