Título: Promessa não cumprida
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2005, Notas e Informações, p. A3

Lançada oficialmente há um ano e meio, sob a justificativa de dar à economia brasileira a competitividade exigida pelo mercado internacional, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) do governo ainda não saiu do papel. Embora o tenha anunciado como uma de suas principais iniciativas, o projeto até hoje não deslanchou. Faltam, por exemplo, as regulamentações previstas pela Lei de Inovação, que é a espinha dorsal dessa política e tem por objetivo incentivar as empresas privadas a investirem em desenvolvimento científico, mediante parcerias com agências de fomento a pesquisa e universidades.

Quando a lei foi sancionada, em dezembro de 2004, 73% dos cientistas brasileiros atuavam em organismos públicos e apenas 11% trabalhavam na iniciativa privada. A idéia era oferecer incentivos fiscais e abrir linhas de financiamento para inverter essa relação, permitindo à iniciativa privada desenvolver novos produtos e processos, condição básica para o País poder aumentar as exportações de bens e serviços com maior valor agregado. A pressa era tanta que o projeto tramitou em regime de urgência e o então ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, prometeu regulamentá-lo em até 90 dias após sua aprovação pelo Legislativo.

A promessa, no entanto, não foi cumprida por vários motivos, entre os quais a própria crise política, que levou Campos a deixar o governo. Outro motivo foi o veto da equipe econômica à maioria dos incentivos fiscais concebidos pelos Ministérios da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento, o que acabou prejudicando as micro, pequenas e médias empresas. Diante do impasse, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que haviam apoiado a PITCE, na época de seu lançamento, passaram a criticar o governo,

"A política econômica está orientada para o alcance de resultados mais imediatos e desprovida de qualquer sentido estratégico. As prioridades reveladas pela PITCE (...) precisam de maior objetividade e concretização", afirma um relatório recém-divulgado pela Fiesp, e que é endossado pelo Conselho de Política Industrial da CNI.

Além de não ter regulamentado até hoje a Lei de Inovação nem definido os incentivos fiscais a serem concedidos à iniciativa privada, o governo não depositou todo o dinheiro previsto pela PITCE para os fundos setoriais. Segundo a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), parte dos R$ 760 milhões estimados para 2005 acabou sendo contingenciada pelo Ministério da Fazenda, que dá prioridade absoluta ao superávit primário. Dos R$ 2 bilhões estimados para esses fundos, em 2006, só R$ 1,2 bilhão deverá ser liberado. Como o presidente Lula não arbitrou o conflito entre a equipe econômica, de um lado, e os Ministérios da Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, de outro, a direção da Finep já começou a se mobilizar politicamente para pressionar o Congresso a regulamentar o quanto antes o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), de cujos recursos dependem os fundos setoriais.

Diante da importância da inovação tecnológica para a competitividade da economia brasileira, as agências de fomento à pesquisa entraram no debate, apoiando a Finep e endossando as críticas dos meios empresariais à incapacidade do governo de implementar uma política por ele próprio formulada. O protesto mais veemente partiu do diretor-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa, Carlos Henrique de Brito Cruz. Se antes da crise o governo não cumpriu o que prometeu à comunidade científica, concluindo as regulamentações previstas pela Lei de Inovação, disse ele, agora não tem a menor condição de fazê-lo.

Este tem sido o destino dos projetos mais importantes do governo Lula. Mesmo quando eles são oportunos e têm apoio dos setores interessados, o presidente não se revela capaz de implementá-los. "O Brasil será outro daqui para a frente", afirmou ele, ao sancionar a Lei de Inovação. Infelizmente, se o País mudou, em matéria de inovação científica, foi para pior.