Título: PT vai às urnas hoje para se reerguer e testar poder de Dirceu
Autor: Guilherme Evelin e Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2005, Nacional, p. A4

O PT traiu a promessa feita a 53 milhões de brasileiros de que era um partido diferente. Hoje, 825.461 filiados - desde que com suas contribuições partidárias em dia - estão convocados a vencer o desalento e começar a acertar suas próprias contas depois do dilúvio. Irão às urnas em eleições diretas para escolher a nova direção do partido e seu presidente. Por causa da crise, o grau de comparecimento é uma incógnita. Quem provavelmente vai ter de pagar a fatura é o Campo Majoritário, grupo moderado à frente do PT há 10 anos, forjado por influência direta do ex-chefe da Casa Civil e deputado José Dirceu, e ao qual estão ligados os protagonistas do escândalo do mensalão. Primeiro presidente eleito pelo voto direto no PT, Dirceu alcançou em 2001 55,6% dos votos e a chapa do Campo para o Diretório Nacional, 51,7%. Agora, nas previsões otimistas de seus dirigentes, o grupo vai levar pouco mais de 40% dos votos para o diretório e para Ricardo Berzoini, escolhido candidato a presidente depois que José Genoino foi abatido pelo escândalo e Tarso Genro renunciou à disputa. Desistiu porque Dirceu e outros acusados recusaram-se a deixar a chapa.

Pior do que talvez perder a presidência - Berzoini pode ter de encarar um segundo turno contra a união da esquerda em outubro -, a quebra da maioria obrigará o futuro comando a negociar com afinco os rumos do partido. É possível que maiorias diferentes sejam formadas a cada decisão. Acabaria o ciclo em que as reuniões do diretório serviam para homologar resoluções acertadas na véspera pelo Campo. Isso ocorria com auxílio de correntes de centro ou centro-esquerda como Movimento PT, PT de Luta e de Massa e Ação Democrática, somando vitórias com mais de 60% nas votações, enquanto a esquerda esperneava e tentava fincar posição. Hoje, nenhuma corrente quer aparecer associada à antiga maioria.

A tática do rolo compressor foi implementada por Dirceu, mas garantiu o crescimento do PT e seu maior beneficiário foi o presidente Lula. Hoje ele se diz traído, sem revelar por quem.

"Vamos ter de propor um grande acordo para estabelecer um novo tipo de relação no partido. O PT não pode se dar ao luxo de se dividir no momento atual", diz Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência e um dos dirigentes do Campo Majoritário, ao sinalizar para a necessidade de abrir canais de diálogo com a esquerda petista. "Quero dialogar com todos os setores do partido independentemente do porcentual de votos que o Campo alcançar", promete Berzoini se levar a presidência petista.

Dirceu jurou que não assumirá mais nenhum cargo na direção do PT, seja qual for o resultado do processo de cassação que enfrenta na Câmara. Na última reunião do diretório, contudo, estava lá. Trabalhou para derrotar Tarso, seguir na chapa do Campo e influenciar o processo de depuração interna da legenda, que ainda não conseguiu expulsar o ex-tesoureiro Delúbio Soares, identificar e punir seus cúmplices.

Aliados do ex-ministro alertam que seu poder de influência, e do Campo, não podem ser subestimados, mas até eles duvidam de que Dirceu continuará a dar as cartas no PT depois das eleições. "Dirceu foi um símbolo da transformação de um partido de quadros em um partido de massas. Era uma referência para o PT, que se diluiu depois do escândalo", diz um parlamentar ligado a ele.

O enfraquecimento do Campo Majoritário deve ampliar as tensões entre o partido e o governo. Lula, possivelmente, ouvirá mais críticas e palpites do que gostaria da cúpula petista. Embora com divergências no tom e na intensidade, uma maior autonomia do PT em relação ao Planalto é discurso de campanha comum às dez chapas inscritas para o Diretório Nacional e aos sete candidatos à presidência do partido (ver quadros abaixo; procurado pelo Estado, o candidato da chapa Movimentos Populares, Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, não deu entrevista porque está com prisão decretada pela Justiça). A ortodoxia da política econômica é o primeiro alvo. Até os maiores defensores de Lula na campanha, Berzoini e Maria do Rosário, do Movimento PT, cobram mudanças.