Título: 'PT tem sido arrogante desde que foi criado'
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2005, Nacional, p. A9

O advogado Antonio Tito Costa sentiu indignação quando abriu o jornal na terça-feira e viu a declaração da filósofa Marilena Chaui, atribuindo ao partido dela, o PT, a responsabilidade pela construção da democracia no Brasil - derivando daí o ódio hoje devotado à legenda. "Foi uma declaração típica da arrogância desse partido", diz ele. "Quando o PT surgiu, a luta pela redemocratização já tinha começado há tempo." Tito Costa, como é mais conhecido, era prefeito de São Bernardo do Campo no final da década de 70, quando o operário Luiz Inácio Lula da Silva começou a ganhar projeção como líder sindical. O PT nem existia e quem enfrentava o regime militar para garantir o direito de operários como Lula se manifestarem nas greves eram políticos como Franco Montoro, Teotônio Vilela e o próprio Tito Costa, entre outros. Todos abrigados sob as asas do MDB - o único partido de oposição consentido pela ditadura.

Na entrevista abaixo, o ex-prefeito, de 82 anos, hoje filiado ao PSB e ainda firme em sua banca de advocacia, especializada em direito administrativo, relembra quando foi chamado a Brasília e lhe disseram que se arriscava a perder o mandato de prefeito se continuasse apoiando os movimentos operários na região do ABC. O advogado também mostra que, embora sendo amigo de Lula, não o poupa de críticas. "Ele foi uma ilusão", desabafa.

Como o senhor viu a declaração feita pela filósofa Marilena Chaui, no ato de refundação do PT?

Fiquei furioso e indignado. Foi uma declaração típica da arrogância desse partido. Tem sido assim desde que ele foi criado. Lembro da expressão dos três primeiros vereadores eleitos pelo PT para a Câmara de São Bernardo, ao tomar posse em 1982: olhavam o mundo de cima, com ar petulante, como se dissessem "somos diferentes, chegamos para mudar tudo". O tempo mostrou o contrário.

Por que ficou indignado?

Quando o PT surgiu, a luta pela redemocratização já tinha começado há tempo. Em 1977, eu estava no MDB, que era um repositório dos partidos de oposição existentes antes do golpe militar, quando fui eleito pelo voto popular para a prefeitura de São Bernardo. No ano seguinte, ao explodirem as greves, tomei o lado dos operários. Quando fecharam a sede do sindicato, ofereci o Estádio da Vila Euclides para que realizassem as assembléias e, quando lacraram o estádio, fui à Justiça, porque se tratava de uma propriedade municipal, mas perdi.

Além do fechamento do estádio, enfrentou alguma outra represália?

Fui chamado a Brasília para conversar com os generais Golbery do Couto e Silva, da Casa Civil, e Danilo Venturini, da Casa Militar. Disseram que eu estava pondo lenha na fogueira e arriscando meu mandato. Respondi que era o contrário, que eu estava pondo água na fervura. Lembro que no dia 23 de março de 1979, depois de terem sido proibidos de se reunir no sindicato e no estádio, os operários marcharam para o Paço Municipal, onde houve um confronto com a polícia, com tijoladas de um lado, cachorros de outro. Não houve mortes porque fui apaziguar os ânimos, ao lado do bispo de Santo André, d. Cláudio Hummes, meu amigo, que também apareceu por lá.

Como era a relação com Lula?

Nunca me dei bem com o PT, que no início não aceitava nenhum tipo de coligação, apresentando-se como dono da verdade, da pureza e da ética. Mas as minhas relações com o Lula sempre foram boas. Em 1977, quando começava a se destacar como líder sindical, ele apoiou minha candidatura para a prefeitura. Em 1979, quando fecharam o sindicato e ele teve que fugir, eu o levei, com a Marisa e os filhos pequenos, para passar uma temporada na chácara que eu tenho em Torrinha, no interior do Estado, onde nasci.

O senhor está dizendo que existia um movimento de resistência democrática que ajudou o PT a nascer.

Sim. O Teotônio Vilela quase chegou a morar em São Bernardo, de tão preocupado que ficava com a situação dos sindicalistas. Dormiu mais de uma vez em meu gabinete na prefeitura. Fazíamos vigílias, varávamos madrugadas em reuniões no meu apartamento em São Paulo, em conversas com Franco Montoro, Fernando Henrique, Eduardo Suplicy, d. Cláudio. E agora vem a Marilena Chaui dizer que o PT começou tudo? Acho preocupante. Onde é que vai parar tudo isso?

O senhor manteve contatos com Lula depois que ele foi eleito?

Falei com ele rapidamente em duas ocasiões, durante as missas do Primeiro de Maio, em São Bernardo. Quando ele foi eleito em 2002, mandei de presente uma garrafa de pinga fabricada lá em Torrinha, com um cartão, dizendo para ir devagar, sem esquecer do que aconteceu com o Salvador Allende, no Chile. Meu temor era de que ele cedesse à turma do PT que queria botar tudo pra quebrar e o seu governo não agüentasse. Nunca imaginei que iriam quebrar de outro lado, com essa roubalheira.

Como vê a crise do governo?

Ficou claro desde o início que o PT não estava preparado nem tinha quadros para governar. Foi um desencanto, uma desilusão para todos nós que assistimos o partido nascer. Foi como uma taça de champanhe, com espuma até a boca, mas com pouco líquido. Hoje acredito que é pura verdade essa história de que o Zé Dirceu tinha o propósito de bem se apoderar da máquina do Estado, para transformá-lo num poderoso instrumento de implantação do socialismo.

E como situa o Lula nessa crise?

Eu sempre o vi como um homem de luta, mas confesso que estou decepcionado. Não aceito essa história de que ele não sabia de nada do que acontecia ao seu redor. Que conversa é essa? Para mim foi uma desilusão.