Título: No campo, as opiniões se dividem sobre o assunto
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2005, Vida&, p. A28

BRASÍLIA - Desde a adolescência, o gaúcho Lauro Kist trabalha de julho a janeiro no plantio e na colheita de fumo. A rotina intensa do trabalho trouxe reflexos no corpo: dores nas costas, que o fizeram, agora, dividir a atividade com colaboradores. "Com o tempo, procurei diversificar. Tenho um açude, um pomar", conta. Mas mesmo com a divisão, a maior dedicação ainda fica com a lavoura do fumo. "É um trabalho que exige muito da gente. Primeiro vem a lavoura do fumo, depois as demais." Kist, que já assistiu a uma audiência pública sobre a Convenção-Quadro do Tabaco, diz não temer sua ratificação. "Ao contrário. Acredito que, com ela, poderei entrar num programa de substituição de lavoura. Aí sim vou conseguir abandonar de vez o fumo", afirma o agricultor de 48 anos.

O presidente da Afubra, Hainsi Gralow, avalia que a mudança do plantio, sem ajuda, só traz prejuízo. "Não há quem conteste: 1 hectare com fumo rende muito mais que o de feijão ou o de milho."

Segundo o presidente da Fetraf, uma associação de agricultores ligada à CUT, Albino Oto Gewehr, esses valores são um atrativo e tanto. "Tudo faz o olho crescer. É dinheiro adiantado e promessa depois de venda garantida de tudo o que é plantado", afirma. "Mas, na ponta do lápis, a gente vai perceber com o tempo que a gente trabalha feito doido. Não fica rico. Nem melhora de vida", completa.

O fumo tem uma sistemática semelhante à de algumas culturas. A indústria fornece um crédito bancário para agricultores, para a compra de sementes e adubos. "Ele gasta o dinheiro como quiser. Mas depois tem de pagar, claro." Depois da colheita, na hora da venda, é a indústria que dá o preço. "No Brasil, o valor pago para agricultores é muito menor do que o pago nos Estados Unidos, Europa ou Japão." Mas, diz, fumicultores têm receio em mudar de vida: "É dinheiro garantido. Em outras culturas, a lógica é diferente: quanto mais se produz, menos se ganha." Para a Fetraf, o País e fumicultores só teriam a ganhar com a ratificação.

Gewehr deixou a agricultura para se dedicar à atividade sindical. Mas não se cansa de citar uma pesquisa feita pela Unisc que mostra que 70% dos fumicultores gostariam de deixar o fumo. "Dizem que o agrotóxico traz depressão. Mas acho que a depressão vem de tanto trabalho e frustração do pouco dinheiro."

Gralow tem uma descrição bem diferente. "Minha família sempre tirou sustento disso. É assim com um bando de gente. Se não tiver problema de tempo, o dinheiro vem, e é certo." Para ele, a Convenção-Quadro, sem um programa de subsídio, traria prejuízos enormes às famílias que, no passado, foram incentivadas a plantar o fumo. "É um dinheiro honesto, não sei porque tanto problema." Para ele, é natural que a China tenha ratificado o acordo. "Lá eles não têm terra para plantar comida. O espaço tem de ir para isso mesmo. Mas, aqui, dá para plantar de tudo. E isso não é crime."

Paulo Busque, de 25 anos, começou a trabalhar na cultura aos 6, com o pai e os irmãos. Há dez anos, o pai resolveu mudar o plantio. "Ele não agüentava mais. Toda hora tinha problemas, nas costas, no fígado. Agora a saúde dele melhorou bastante." A transição, recorda, não foi cor-de-rosa. "Foi preciso coragem, persistência, iniciativa. Mas ele não se arrepende. E nós também não. Temos uma vida melhor: plantamos verdura, arroz, e vendemos numa feira."