Título: Nonô se diz 'incapaz de aventuras' na Câmara
Autor: Christiane Samarco
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2005, Nacional, p. A13

O Palácio do Planalto tem feito o que pode para impedir que o pefelista José Thomaz Nonô (AL), 57 anos e 23 de mandato federal, ocupe a cadeira do presidente Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). O esforço, porém, tem adiantado pouco. Nonô, que é o primeiro-vice-presidente da Câmara, não só poderá ficar no comando da Casa até o final do ano - se Severino pedir licença - como despontou, na última semana, como um dos nomes mais fortes para sucedê-lo, numa eventual eleição em plenário. Dono de língua ferina - já definiu o presidente Lula como "uma máquina de fazer bobagens" - ele domina o regimento interno e a gramática e assusta o governo com críticas impiedosas. "Mas quem me conhece de perto sabe que não sou nenhum tipo de aventureiro, de irresponsável", garante. "Sou o vice e tenho consciência da transitoriedade. Quando substituo Severino, procuro fazê-lo da melhor maneira. Sou incapaz de aventuras." Em entrevista ao Estado, Nonô deixa subentendido um equilibrado discurso de campanha, ao dizer: a primeira tarefa do novo presidente é retomar o diálogo com o governo.

Quando o senhor assumiu a 1.ª vice-presidência imaginava que sete meses depois estaria sendo guindado à condição de titular?

Não estou sendo guindado à condição de titular. Tenho absoluta clareza de que sou um vice, um substituto eventual. Não costumo fazer inventário de pessoas vivas. O presidente da Casa é o Severino Cavalcanti.

Mas há um consenso no Congresso e na sociedade de que ele não se sentará mais na cadeira de presidente.

Esse consenso se existir é manifestação da sociedade. A Casa se rege pelas suas regras e eu sou um respeitador das regras. Quando fui secretário da Fazenda aos 32 anos coloquei uma plaquinha na porta: é transitório.

A regra de a maior bancada indicar o presidente pesará na sucessão?

Acho que a eleição da presidência não tem nada que ver. Se já não se respeitou a idéia da maioria na eleição, imagine hoje.

O que é essencial no perfil do próximo presidente?

Os critérios genéricos para eleições de qualquer tipo aqui na Casa. Conhecer a Casa, conhecer os deputados, transitar em todos os partidos. Desconheço o presidente partidário havido nesta Casa. Fui líder da minoria com todo o vigor que pude, mas desde o momento em que fui eleito primeiro-vice, sou o vice-presidente da Casa. A Mesa representa a Câmara, o Poder Legislativo que não é nem PT, nem PFL, nem Lula, nem anti-Lula. É pró-Câmara, porque é a própria instituição.

O senhor já viu a Câmara enfrentar desgaste semelhante ao de hoje?

Nesses 23 anos em que sou deputado nunca houve processo de desgaste tão efetivo como agora. Já teve perdas de opinião pública, mas uma crise como essa é sem precedentes porque é a primeira que vulnera governo - Poder Executivo, deputados - Poder Legislativo, e empresas - a sociedade.

Uma crise dessa amplitude põe em risco instituições ou a democracia?

As instituições paradoxalmente se revelam sólidas até aqui. A economia leva vida razoavelmente normal e até agora não houve aventura de promover impeachment ou fechamento do Congresso. A crise tem demonstrado solidez das instituições e não afeta a democracia.

Após presidir processo de cassação dos anões do Orçamento na CCJ, como é agora a perspectiva de presidir as de cassação no plenário?

Tranqüilo. Desses processos de cassação, há apenas dois casos muito tensos, que trazem carga emocional grande por serem, na minha visão, verso e reverso de uma mesma moeda. Desde o primeiro momento, Roberto Jefferson e José Dirceu são tese e antítese desse processo.

Qual é o segredo para se garantir uma sessão tranqüila?

Não tem segredo: a receita é regimento, regimento, e sensibilidade, sensibilidade. No caso de Jefferson, era um discurso de despedida e toda a Casa queria ouvi-lo. Aí o presidente sente.

Mas o PFL hoje faz mea-culpa e admite que errou ao votar no Severino.

Não sei quem votou no Severino. O voto é secreto. A eleição da presidência da Casa não é partidária; nunca foi. Quem tentou fazer isso foi o PT que, achando pouco um candidato, apresentou dois e, com isso, assinou seu atestado de óbito.

Foi uma decepção para o senhor?

Se perguntar minha opinião sobre a performance do governo, ela não é favorável nunca. Acho que a parte ética deixou muito a desejar e faço parte dos que votaram porque achavam que ele faria um acordo diferente com o FMI, para reduzir o superávit primário. Se você reserva mais dinheiro para atender ao setor financeiro, obviamente vai sobrar menos para investir em estrada, escola e hospital.

Esse discurso é da esquerda do PT.

Não é esquerda nem direita. Essa é uma outra discussão e já joguei minha bússola no mar há muito tempo. Sou pescador e não consigo ver hoje o que é esquerda e direita.

Esse governo é de esquerda?

Esse governo até certo ponto é esquizofrênico. A política econômica é claramente conservadora. A prática política é claramente anarquista e o autojuízo é de esquerda. Não é análise política é psiquiátrica e não me encontro habilitado para fazê-la; sou um modesto advogado.

Um pefelista na presidência da Câmara é uma ameaça ao Planalto?

Não abro mão da minha condição de PFL, da qual me orgulho muito, mas isto não existe. Um petista de alto coturno me disse de forma muito sutil que haveria um receio do alto escalão do PT que eu aqui fizesse algum tipo de atitude impensada, como recepcionar um pedido de impeachment contra o presidente Lula. Isto não existe; eu sou um respeitador das instituições.

Mas no Congresso o senhor é reconhecido por sua língua ferina.

Acho que a distância entre meu cérebro e minha boca é pequena: eu consigo dizer claramente o que penso e não tenho constrangimento algum de dizê-lo. A crítica é inerente à atividade parlamentar. Meu juízo de valor sobre o governo não pode ser um juízo positivo. Mas, se olharem meus discursos, verão que, apesar de firmes, não são ofensivos.

Qual é sua previsão para o desfecho da crise no governo e Congresso?

Não sei. Ela é absolutamente imprevisível porque, na realidade, surgem elementos novos a cada dia. Na Câmara, vamos fazer o possível para agilizar ao máximo esses procedimentos. Até para que os deputados que tiverem de ser condenados e os que tiverem de ser absolvidos o sejam, e a Câmara respire ar melhor. O ar está irrespirável porque a Casa transformou-se em imensa delegacia de polícia. Só se discute ilícito, fraude e irregularidade da Câmara, do governo e empresas. Mas, como a discussão ocorre na Câmara, sobra para ela o maior pedaço.

O senhor acredita que a solução para a crise Severino no curto prazo possa ser o afastamento?

O que eu ouvi do próprio Severino foi que ele ouviria a família e os amigos e daria a solução na próxima semana. Como, não sei. A decisão é pessoal. O Severino é o presidente. Renúncia ou licença são atos privativos dele.

O desafio do próximo presidente?

O primeiro é reabrir um diálogo com o Executivo. Executivo e Legislativo são faces de uma mesma moeda. O julgamento dos deputados vai tomar todo o semestre e algumas coisas não podem esperar o ano que vem. Vamos ter de votar algumas coisas este mês, por bem ou por mal. Quem vier a presidir a Casa terá de negociar a desobstrução da pauta e pôr a Casa para votar.