Título: O cenário do governo para 2006
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

Os bons ventos da economia estão dando um novo alento aos integrantes da cúpula do governo. Alguns já falam sobre o futuro com grande otimismo e avisam que podem se dar mal aqueles que consideram o presidente Lula carta fora do baralho nas eleições do próximo ano. O cenário que eles desenham para 2006 é um misto de crescimento econômico acelerado e de aumento dos gastos públicos que beneficiam os mais pobres. Este cenário será suficiente, argumentam, não apenas para estancar a forte queda da popularidade do presidente mas para recolocá-lo na disputa com chances de vencer. Há três meses a crise política era potencializada pelo pessimismo quase generalizado em relação à economia. Vivia-se, então, a ressaca dos números do IBGE sobre o mau desempenho da economia no primeiro trimestre deste ano. A maioria dos analistas do mercado tratou de rever para baixo sua estimativa de crescimento para 2005. Até mesmo o governo entrou na onda e reduziu de 4% para 3,4% sua previsão de aumento do Produto Interno Bruto (PIB).

De lá para cá, as expectativas do mercado sobre o desempenho da economia e da inflação melhoraram substancialmente. A inflação, que não cedia à política monetária do Banco Central, foi jogada ao chão pela dramática valorização do real. A moeda brasileira valorizou-se cerca de 25% em relação à cotação vigente em setembro de 2004. Os preços ingressaram numa trajetória de queda não vista há muito tempo. Com isso, o BC reduziu a taxa de juros em 0,25 ponto porcentual e deu ânimo ao mercado.

Puxada pelos investimentos, a atividade econômica retomou sua força e os dados do IBGE relativos ao segundo trimestre deste ano levaram otimismo ao mercado. De janeiro a junho deste ano, a economia cresceu 3,4% em relação ao mesmo período de 2004. Os analistas e institutos de pesquisa revisaram novamente suas projeções. Agora para cima. O governo sonha agora com crescimento em 2005 próximo a 4%.

A análise feita pela área econômica, e que chega ao círculo mais próximo ao presidente Lula, é de que a economia brasileira ingressou num ciclo duradouro de crescimento e que não se vê no horizonte sinais que possam afetar essa trajetória. Não é apenas o presidente do BNDES, Guido Mantega, que fala, dentro do governo, em crescimento de 5% em 2006. Essa projeção se transformou em uma espécie de objeto do desejo no Palácio do Planalto. Crescer 5% em 2006 significa, na imaginação dos líderes que dão apoio a Lula, disputar uma eleição num razoável estado de satisfação do eleitorado com o governo.

O atual crescimento está sendo acompanhado por uma forte criação de novos empregos. Segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), foram criados 1.083.000 postos de trabalho com carteira assinada de janeiro a julho deste ano. De janeiro de 2003 até julho de 2005, foram criados 3.251.473 novos postos de trabalho formal, uma média de 104.886 postos por mês.

O cenário apresentado a Lula pela equipe econômica mostra não apenas que o emprego continuará em expansão como também que os rendimentos reais dos trabalhadores ocupados continuará aumentando. A perspectiva também é de que nas negociações coletivas com os patrões a maioria dos trabalhadores consiga acertar reajustes salariais acima dos índices inflacionários. Para se ter uma idéia, no primeiro semestre deste ano, 89% dos reajustes foram iguais ou superiores à variação do INPC.

Os estrategistas do governo contam ainda com o que estão chamando de "âncora social" - a série de programas sociais do governo federal dirigidos aos mais pobres. A leitura que se faz dentro do Palácio do Planalto dos dados da última pesquisa Sensus/CNT é de que, mesmo com o bombardeio de denúncias nos últimos 100 dias, mais de um terço do eleitorado ainda avalia positivamente o governo Lula. A explicação de importantes membros do governo para esse fenômeno é a "âncora social".

A "âncora" começa no acesso ao crédito bancário. Em julho último existiam mais de seis milhões de contas correntes simplificadas, isentas de tarifa e sem exigências de comprovante de renda e de endereço. O número de contratos do microcrédito no mesmo mês ultrapassava 7,5 milhões. O valor dos empréstimos consignados, que os bancos descontam as prestações diretamente no salário do cliente, representava mais de 41% do total do crédito pessoal.

A transferência de renda, que é outro componente dessa "âncora", vai aumentar em 2006. O programa bolsa família deve atingir 8,7 milhões de famílias este ano e a meta é alcançar 11,2 milhões no próximo ano, com gastos de R$ 8,3 bilhões. Esse dinheiro irá para o bolso das pessoas mais pobres. A meta do governo é oferecer R$ 9 bilhões em créditos para a agricultura familiar na safra 2005/2006. A medida deve beneficiar 2 mlhões de famílias de baixa renda. Um crescimento acelerado junto com a "âncora social" é a fórmula para reverter a crise, na avaliação dos estrategistas do governo.

Todo cenário econômico pressupõe variáveis que são incontroláveis. A contínua valorização do real frente ao dólar pode criar sérios problemas para as exportações brasileiras. O dólar fechou na última sexta-feira abaixo de R$ 2,30 e ninguém considera que este seja o piso da cotação. Até agora, a elevação dos preços internacionais das commodities e a forte expansão da demanda mundial estão compensando o impacto da valorização do real. Mas há sinais de desaquecimento da economia mundial em 2006, em virtude da disparada do preço do petróleo.

Além disso, é difícil prever se a maior satisfação do eleitorado será suficiente para reverter o quadro de queda de popularidade de Lula. Resta avaliar se a imagem de Lula junto à opinião pública não foi afetada de maneira irreparável. Ou seja, se questões éticas, morais e de confiança no presidente pesarão mais no comportamento do eleitor do que o bem estar econômico.